domingo, janeiro 20, 2008

Circunvolução

Não estranheis os sinais, não estranheis este povo que oculta a cabeça nas entranhas dos mortos. Fazei todo o mal que puderdes e passai depressa.
- António José Forte

já não nos estranhamos
já não se estranha nada
quando o mundo inteiro
é estranho
todos nós somos familiares

a mim dói-me o corpo não de uma pancada que levei
mas de uma herança que recebi daquele a quem
dediquei um beijo na boca, tenho aftas do tamanho
de homens, homens baixos que escrevem mundos
melhores e piores que o meu, homens tristes
que fingem sorrisos mais largos que o meu, mas eu
guardo na pele cicatrizes de cada mão que me tocou
guardo nos espelhos dois olhos que se cansaram de esperar
guardo todas as visões que imaginando vi, mas que vendo
nunca estiveram lá, guardo as palavras de elogio, as promessas
e por fim as ofensas, guardo-me a mim como prova
de que neste mundo fui recebido como um estranho
e enquanto não for expulso direi que estou de passagem
e se não houver nenhum bem que lhe possa fazer
talvez algum mal me possa fazer sentir melhor

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