sexta-feira, dezembro 28, 2007



Quem saberá por aí uma palavra para esses momentos? Uma palavra para um médico dizer a esta mãe, que entregou à vida um filho vivo e recebeu da vida um filho morto.

Miguel Torga


Na minha aldeia havia um rapaz chamado Pedro com quem eu costumava brincar na minha infância. Levantava-se sempre muito cedo e depois de ajudar os pais nos seus trabalhos, vinha ter comigo e com as outras crinças. Corríamos pelos campos. Todos gostávamos do Pedro, éramos muito unidos. O que mais apreciávamos no Pedro era o eco que fazia a sua gargalhada. Lembro-me que uma vez ele caiu num silvado e arranhou as pernas e os braços, levantou-se com uma cara muito séria, limpou as feridas com um lenço branco, olhou para nós e sorriu. Estava a dizer-nos para continuarmos as nossas brincadeiras.
Certo dia, deveria o Pedro ter uns dezassete ou dezoito anos, a sua mãe preparou-lhe uma grande mochila que ele pôs às costas com uma enorme dificuldade e lançou-se pela estrada para não voltar. Não olhou para trás. Não estava nem foi um dia bonito. As outras crianças, as que assistiram, ficaram paradas vê-lo desaparecer no horizonte. Vi tudo da janela de minha casa. Ninguém lhe acenou um adeus. Talvez não soubéssemos o que isso era, excepto perante a morte e os mortos não andam. Nada mais se soube do Pedro.
Cerca de um ano mais tarde, seria a minha vez de partir.
Hoje recebi notícias acerca desse rapaz da minha infância. Disse-me a minha mãe que ele havia voltado para à aldeia: "Pobre alminha! Só quem vê, todo transparente, todo sugado..." Não sobreviveu à cidade. Uma alma penada que assombra a aldeia, que faz todas as mães recearem por todos os seus filhos idos. Acho que ninguém disse palavra sobre o assunto à mãe de Pedro. Não há palavras de consolo. Não há palavras de cura. Não há palavras de esperança.

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