«Boa tarde, é p'rá Meia Laranja»,
we want to buy oblivion.
Traficamos a vida nos interstícios
da morte e não há mal nenhum
em precisarmos para isso
de caros produtos teimosamente ilegais.
Não foi agora, nesta descida íngreme
com amplo sentido metafórico,
que se tornou impossível dignificarmos
a miséria fria do quotidiano.
Foi desde o ínicio demasiado tarde
(estou a lembrar-me das lágrimas
breves de uma infância senil
e sem testemunhas). Fende-se depressa
o alcatrão inútil dos sonhos,
irrevogavelmente preteridos
em nome desta vertigem barata
com um preço veloz e excessivo.
Pode-se evitar tudo menos as evidências
- se estão nus os olhos por elas
apedrejados. Não há maneira possível
de varrer das ruas os kits de seringas
óbvias nem os limões necessários
a uma receita mortal de esquecimento
e renúncia. Não apodrecerá melhor
quem apodrecer por último.
Entre dois nadas, a dor - iluminando
às avessas becos nauseabundos
cujo simbolismo rudimentar
deixo ao cuidado de outrem. São gradualmente
mais improváveis os happy ends congelados
que todos os dias nos tentam vender.
Porque o fracasso do mundo é ele próprio.
Procurem remendos para o irreversível
e talvez ainda venham a postular
novíssimas legiões de descrença. Tanto faz tudo.
Por isso permaneceremos, depois de qualquer razão
(ou desconhecendo mesmo esse termo), sentados
em cadeiras eléctricas que adornámos
com estofos cobardes, coloridos e perfumados.
A noite é para alguns o único sinónimo de
alma. Quem reinvindica lapidações
nunca o sentiu, jamais o pressentirá.
Que ao menos nos deixassem quietos e livres
como este poema forçado (aparente
reabilitação da «vida vã» vendida tão cara)
que deliberadamente ignorou o amplo
sentido metafórico de um bairro ventoso
onde há sempre troco para a morte.
- Manuel de Freitas
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