terça-feira, agosto 28, 2007

O castigo

por usar as palavras
para dizer só o que pensava
decidiram que merecia um castigo

em cada mão
só poderia guardar
uma palavra
- ficariam queimadas
na sua fina pele
e seriam a única maneira
de se fazer entender,
todas as outras
ser-lhe-íam roubadas

deram-lhe um dia para pensar
e ele chorou e escreveu os seus
últimos poemas
os quais
não faziam sentido nenhum,
eram só palavras dispersas
que as lágrimas borravam
formando uma tristeza indecifrável

o dia recuava perante a noite
e então ele percebeu
que não tinha escolha
teria que marcar
a palma de uma mão
com um "sim"
e a outra palma
com um "não"
era evidente
não havia
outra opção

foi empurrado para o sono
e sonhou que se despedia
de cada uma das palavras
- elas vinham beijá-lo
e ele apertava-as
uma a uma
sentindo-as
pela última vez

no dia seguinte
foi chamado
e pediram-lhe
as duas palavras
mas quando ia dizê-las
sentiu as mãos diferentes
abriu-as
e delas explodiram mil reflexos,
em cada mão haviam nascido
milhares de espelhos

aí ele sorriu
e gritou as suas palavras
"sou" / "poeta"!

1 comentário:

FUNFRIA disse...

Pudera ser a chibata
que te marca
essa corda que te ata
sobre a semente

promessa de vida que se mata
para dar lugar à flor
que nasce do teu sofrer
ao sorver as tuas lágrimas

e direi: assim seja!
para que o teu castigo poeta
seja o princípio do meu nascer