Ontem fui ao Museu Colecção Berardo, no Centro Cultural de Belém. Não vou pronunciar-me sobre as polémicas em torno da escolha do local, do fundo de aquisições para novas obras, ou até das barbaridades que este senhor que tem «uma maneira esquisita de falar» tem vindo a dizer. Limitar-me-ei a comentar aquilo que mais me entusiasmou, de entre as 248 obras de vários autores, entre os quais Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Paula Rego, Pablo Picasso, René Magritte e Joan Miró, que tive a oportunidade de apreciar. Não que seja o maior admirador de arte moderna e contemporânea. Sou até um grande depreciador desta que é, não raras vezes, uma pura manifestação da nossa sociedade materialista e instantânea. Mas - e como qualquer luso de gema que se orgulhe diria - como era grátis, fui.
Quais, então, as obras que mais tempo me consumiram, que mais minutos me retiveram na apreciação da sua subtileza e genialidade? A bem dizer, foi uma obra e uma meia-obra.
A essência da primeira, e não fosse eu um estudante da área das Humanidades, prende-se unicamente com uma simples frase. Era nada mais que um quadro monocromático - preto - no qual se lia «The content of this painting is invisible; the character and dimension of the content are to be kept permanently secret, known only to the artist.» Mel Ramsden, o autor, numa mistura de altruísmo e egoísmo, partilha uma obra que nos diz, basicamente, «tirem o cavalinho da chuva, porque eu nunca vos vou dizer o que é que este quadro significa»: sendo este o paradoxal significado do mesmo. Pertencente a um movimento dos anos 60 e 70 chamado Art & Language, Ramsden materializa numa frase o objecto da sua obra, deixando-nos embasbacados e, simultaneamente, com um sorriso na cara ao lermos o seu quadro.
No que toca à segunda, tenho sérias dúvidas de que seja uma verdadeira obra. Desconheço o autor da mesma, pelo que suponho que Jean-François Chougnet, director artístico da exposição, decidiu divertir-se a gozar ostensivamente com os visitantes, espalhando uma série de calhaus cúbicos (tipo pedras da calçada, mas quatro vezes maiores) no chão, dispondo-os de modo a formar um quadrado. Enquanto olhava para aquilo e me interrogava, desculpem o termo, «que merda é esta?», uma das funcionárias do museu fez questão de me dizer que aquela obra podia ser pisada. Podíamos, efectivamente, espezinhar arte com os nossos ténis quiçá cheios de pastilhas elásticas e outros presentes, dispostos a fazerem parte da exposição, colando-se àquela obra. Com esta preciosa dica, eu e os meus amigos decidimos perder uns bons minutos nesta sala e juntar-nos a Chougnet. Indiferentes às pessoas que olhavam com aquele ar de tenho-a-mão-no-queixo-e-os-olhos-semi-cerrados-e-estou-a-apreciar-esta-magnífica-obra-que-não-faço-a-mais-pequena-ideia-do-que-seja, passávamos descaradamente - que nem uns bárbaros insensíveis, desta geração perdida que nada entende de arte - por cima da dita obra. Dávamo-nos inclusive ao luxo de nos determos longos momentos em cima da mesma, falando ao telemóvel e ignorando a maravilha que residia por debaixo dos nossos mundanos pés. A reacção das pessoas: previsível. Os olhos esbugalhavam-se, a boca abria-se e dela saía um escandalizado, embora não muito sonoro, «ai, mas que vândalos!». Perante tal atrocidade, a funcionária que nos havia revelado aquele valioso segredo viu-se forçada a acorrer aos mais atormentados, contando-lhes, também a eles (aos grandes apreciadores de arte moderna), o que nos havia contado a nós (aos vândalos), arrancando-os violentamente das suas vestes de intelectuais da arte e remetendo-os para o lugar onde sempre estiveram: a completa ignorância artística.
Resta-me, por isso, dirigir ao senhor Jean-François Chougnet um sincero obrigado pelas lágrimas de riso que me proporcionou!
Quais, então, as obras que mais tempo me consumiram, que mais minutos me retiveram na apreciação da sua subtileza e genialidade? A bem dizer, foi uma obra e uma meia-obra.
A essência da primeira, e não fosse eu um estudante da área das Humanidades, prende-se unicamente com uma simples frase. Era nada mais que um quadro monocromático - preto - no qual se lia «The content of this painting is invisible; the character and dimension of the content are to be kept permanently secret, known only to the artist.» Mel Ramsden, o autor, numa mistura de altruísmo e egoísmo, partilha uma obra que nos diz, basicamente, «tirem o cavalinho da chuva, porque eu nunca vos vou dizer o que é que este quadro significa»: sendo este o paradoxal significado do mesmo. Pertencente a um movimento dos anos 60 e 70 chamado Art & Language, Ramsden materializa numa frase o objecto da sua obra, deixando-nos embasbacados e, simultaneamente, com um sorriso na cara ao lermos o seu quadro.
No que toca à segunda, tenho sérias dúvidas de que seja uma verdadeira obra. Desconheço o autor da mesma, pelo que suponho que Jean-François Chougnet, director artístico da exposição, decidiu divertir-se a gozar ostensivamente com os visitantes, espalhando uma série de calhaus cúbicos (tipo pedras da calçada, mas quatro vezes maiores) no chão, dispondo-os de modo a formar um quadrado. Enquanto olhava para aquilo e me interrogava, desculpem o termo, «que merda é esta?», uma das funcionárias do museu fez questão de me dizer que aquela obra podia ser pisada. Podíamos, efectivamente, espezinhar arte com os nossos ténis quiçá cheios de pastilhas elásticas e outros presentes, dispostos a fazerem parte da exposição, colando-se àquela obra. Com esta preciosa dica, eu e os meus amigos decidimos perder uns bons minutos nesta sala e juntar-nos a Chougnet. Indiferentes às pessoas que olhavam com aquele ar de tenho-a-mão-no-queixo-e-os-olhos-semi-cerrados-e-estou-a-apreciar-esta-magnífica-obra-que-não-faço-a-mais-pequena-ideia-do-que-seja, passávamos descaradamente - que nem uns bárbaros insensíveis, desta geração perdida que nada entende de arte - por cima da dita obra. Dávamo-nos inclusive ao luxo de nos determos longos momentos em cima da mesma, falando ao telemóvel e ignorando a maravilha que residia por debaixo dos nossos mundanos pés. A reacção das pessoas: previsível. Os olhos esbugalhavam-se, a boca abria-se e dela saía um escandalizado, embora não muito sonoro, «ai, mas que vândalos!». Perante tal atrocidade, a funcionária que nos havia revelado aquele valioso segredo viu-se forçada a acorrer aos mais atormentados, contando-lhes, também a eles (aos grandes apreciadores de arte moderna), o que nos havia contado a nós (aos vândalos), arrancando-os violentamente das suas vestes de intelectuais da arte e remetendo-os para o lugar onde sempre estiveram: a completa ignorância artística.
Resta-me, por isso, dirigir ao senhor Jean-François Chougnet um sincero obrigado pelas lágrimas de riso que me proporcionou!
2 comentários:
tenho pena de não ter lá estado para apreciar
experimenta fazer o mesmo quando lá fores. vais-te rir!
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