quinta-feira, junho 14, 2007

Tudo se me evapora

"Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.
Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desconheço-me deles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio."

- Fernando Pessoa

2 comentários:

elouise disse...

É essa sensação que tenho quando vejo as minhas fotografias antigas: «Esta pessoa já não existe!» Aliás, isto é a prova de que se morre a cada instante embora só nos apercebamos disso quando passa um tempo considerável, porque então a mudança visível é indiscutível.
Aliás, isto do tempo é como ver um caracol a subir uma parede: parece que mal se mexe mas se nos distraímos e depois voltamos a olhar, ele já lá não está. Por isso eu quis ter aqueles quadros dos homens caracóis, porque representam isto.

Diogo Vaz Pinto disse...

é uma sensação estranha, acho que é vulgar mas não deixa de ser estranha, ao ponto de desistirmos de pensar seriamente nisso porque é algo que nos diz coisas que nos incomodam ou contradizem. E daí talvez seja mesmo suposto ser assim...