Não gosto daqueles livros para colorir, só com os contornos dos bonecos a preto e branco. Prendem-nos. Estabelecem os limites, as barreiras invisíveis, as linhas que temos de respeitar. Obrigam-nos a fazer aquilo que estão à espera que façamos. Se fazemos um risco para fora «está mal» ou «fica feio» e temos de apagar. As crianças, alheias às grades que desenham a figura, riscam para fora, pintam a cara de roxo, os pés de azul e as mãos de amarelo. Estão-se nas tintas para se fica bonito ou não, para se os outros gostam ou deixam de gostar. À medida que crescemos, aceitamos voluntária e orgulhosamente a prisão dos contornos dos bonecos. Pintamos as figuras só por dentro com todo o jeitinho, para que nenhum risco saia para fora. E se sair, apaga-se. Às vezes não dá para apagar... Quando isso acontece é fácil: arranca-se a página e o problema fica resolvido. Assim ninguém vê a nossa falha e ficam só as páginas bonitas, com a cara, os pés e as mãos todos da mesma cor. Aprendemos a respeitar os limites e orgulhamo-nos de o mostrar a toda a gente.
Não gosto daqueles livros para colorir, só com os contornos dos bonecos a preto e branco. Não gosto deles, pelo menos nas mãos dos mais velhos. Tornam-se aborrecidos, sem surpresas, demasiado previsíveis. Nas mãos das crianças gosto. Essas sim, sabem contornar as expectativas dos admiradores da sua arte. A arte de colorir aqueles livros, só com os contornos dos bonecos a preto e branco.
A vida é um desses livros. Vamos riscá-la para fora dos contornos.
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