
Era como se feito de uma criança mais pequena, anã, tinha toda uma cabeça negra sem qualquer traço a não ser dois enormes olhos amarelos pendurados a meio, no centro orbitava mais negrume, uma menina ocular que fitava assombrosa de dentro, o corpo não muito maior era branco todo branco sem membros sem nada para mexer ou mover-se mas mexia e movia-se aparentemente num nível entre aqui e outro lugar escondido por baixo...
Estávamos no metro e ele apareceu ali assim, não foi bem do nada mas num momento sentimos qualquer coisa escarlate adensar-se, qualquer coisa que já lá estava e então ele estava ali... Era tão pequenino e emitia aqueles estalidos estranhos meio entre compassos padrão e outras vezes destoava descompassando. Foi assustador, no silêncio e na calma falsa todos lhe dedicávamos a nossa completa atenção. Por alguma razão sentiu-se logo que além de muito estranho aquilo era também mau para todos...
O metro esteve ainda parado uns seis segundos na estação das laranjeiras mesmo antes de arrancar no sentido do jardim zoológico e acho que foi partilhado por todos um sentimento muito forte – queríamos ter saído ali mas ninguém saiu, ficámos parvos e estarrecidos, eu suei. Quem dera as portas voltassem a abrir-se só por um segundo, só para que eu me metesse por elas e pudesse escapar dali...
Éramos umas doze pessoas, entre duas velhotas uma preta bem feia e a outra bem desgastada e meio aparvalhada com aquilo, um homem indiano muito alto e forte, com a cara coberta de pêlos, um casal de namorados em que eu reparava pela forma como se acariciavam sem qualquer pudor, os dois muito desinteressantes e um pouco gordos, estavam perfeitos um para o outro... Quatro rapazes de mochila às costas aqueles cabelos desgrenhados tapando-lhes boa parte da cara e uns ténis todos coloridos roupa de um mesmo estilo que aos meus olhos os tornou tartarugas aperaltadas em carapaças exageradas, depois deles uma rapariga bem jovem, muito novinha e bonita, olhos fortes, verdes e uma cara pensativa, roupa simples e que deixava transparecer um crescimento adiado mas prestes a despontar para dar uma daquelas miúdas que chamam facilmente o nosso olho. Por fim eu e ela... Agarrou-se a mim, puxou-me pelo braço e segredou-me ao ouvido um suspiro, queria dizer-me qualquer coisa mas não disse.
Aos tropeções e sem muita cerimónia todos se chegaram a nós, estávamos no canto mais afastado dele e aquele movimento foi bastante natural. Só a velha mais afectada se deixou estar muito quietinha agarrada ao seu banco com a mala a espremer entre as mãos e os joelhos.
Ele avançou como esperávamos, soltava uns sons diferentes dos que nos chegavam antes, parecia que nos queria chamar, aproximou-se da velha que estava no banco resgardando-se e tentando não olhar, forçou-se nela, puxou-lhe a mala das mãos sem ter ele estendido um membro, apenas se agitava e socava-a com aquela sua mistura de des-cores, preto e branco, preto e branco, cinzento mais ou menos intenso...
A velha nem lutou, largou a mala e continuou sem o olhar e ele pareceu irritar-se, gritou – Elefante, elefante, elefante, elefante, elefante!...
Foi duríssimo para nós assistir àquilo, era estranho e rídiculo mas uma situação irrisivel, a velha caiu num choro sufocante e ele voltou aos seus estalidos mas desta vez acelerados... Largou a velha que ficou toda chupada, caida sobre o banco... Deu-me a impressão que morta.
Ele não parou por muito tempo, ganhou um balanço chegando um pouco atrás e depois com uma pulsão vibrante que produzia uma música lacinante para os nossos ouvidos atirou-se a nós. Sentimos porrada no corpo, porrada a sério, o corpo dobrava com o colapso do choque, não era dor era pior, era um espanto, um espasmo de quem se sentia a estilhaçar... Ouvi vários ossos partirem e estalarem, alguns eram meus...
O metro foi parar soluçosamente, as luzes já tinham caído e no escuro vi a cara dela que me perguntou “onde foi ele?”... Olhámos em redor e às tantas fez-se um pequeno clarão à nossa frente e surgiram os dois olhos dele e a cara e um dedo, e uma pequena boca, um traço dividido em dois que se abriu muito pouco e fez um “shiu”... Queria-nos calados.
Foi o terror, gritámos todos, alguns, talvez uns sete ou oito... Os outros estavam apagados... Houve muito barulho, alguns gritos que sufocaram e o pesadelo não terminou...
Passados uns grandes vinte e tal minutos dois homens vieram buscar-nos com as suas laternas e levaram-nos para longe dali.
Sem comentários:
Enviar um comentário