segunda-feira, julho 03, 2006

Crónicas de um miserável

O Despertar

Jesus abriu os olhos e viu pouco, muito pouco, estava escuro... O dia acabava junto às margens de um rio perturbado, a água sulcava violentamente indo embater nas rochas que lhe ditavam o seu caminho e a imagem era feia, bem negra e perturbadora...
Arrastados pela força apressada das águas iam bocados de madeira, pedaços de árvores que pareciam estraçalhadas e empurradas contra a sua vontade... Jesus não conseguiu deixar de olhar para aquela imagem sentindo um receio bater-lhe na alma, como se um mau presságio o avisasse de que estava a iniciar uma viagem difícil e cheia de terríveis provações...
Dois mil anos depois Jesus estava de volta à terra que o tinha visto morrer em sacrifício pelos seus irmãos idiotas que o acusaram e condenaram por todos os motivos errados.
Depois do repouso por alguma razão o Pai chamara-o de novo, tinha uma nova missão, não sabia qual era essa missão, não sabia qual era o seu objectivo nem o que devia procurar ou encontrar ali agora naquele momento escuro em que tudo perdia a beleza e a força e os grandes desígnios pareciam afinal uma sórdida loucura perdida entre a dor do corpo que se queixava nu de estar prostrado num chão agressivo de pedras e pedrinhas espetadas por todo o lado e o frio de rachar que se fazia sentir e obrigava o corpo a comprimir-se para tentar prender algum calor em si.
Jesus levantou-se e para isso foi preciso um exercício tremendo, parecia que tinha esquecido tudo, como chamar os músculos às suas ordens e fazê-los mexer de acordo com estas... Não havia forças nas suas pernas ou era uma força demasiado débil para poder ser assim chamada, e os braços pareciam tolos e perdidos sem saber dar qualquer apoio ou ajuda na elevação... Por isso tombou uma e outra vez e se alguém o visse ali pensaria que se deveria tratar de um bêbado qualquer, um miserável nu incapaz de se levantar do chão.
Mas Jesus susteve a respiração e disse entredentes uma simples prece e lá se pôs em pé.
Agora eram os pés quem pagavam e era caro o preço, aquele corpo desajeitado e magro de um homem de estatura alta com trinta e três anos parecia pesar horrores sobre aqueles dois pés sensíveis e desabituados do terreno agreste em que se apoiavam. Jesus soltou um gemido e a terra que dele se despedira há mais de dois milénios pareceu enviar-lhe um primeiro sinal de boas vindas, uma brisa quente soprou o seu corpo e Jesus sentiu por uns breves segundos que os céus ainda o queriam.

1 comentário:

Diogo Vaz Pinto disse...

Para quem quiser saber estas crónicas fazem parte de um projecto meu... Um romance que estou a escrever. Já comecei há algum tempo e agora estou um bocado encaralhado com os exames mas assim que tenha fôlego para me dedicar vou retomar... Para já vou mandar aos poucos aqui no blog aquilo que já escrevi.