Ir para a fronteira, a linha mais crua a mais
longínqua, a dos ritmos que soam
do outro lado da cordilheira, como sinais
de fumo. Nós tivemos de esperar anos antes
que o lume do canto cozesse
tudo o que lhe demos, que confiança
havia nesses gestos propagados
ao longo de gerações, foi antes
de se falar de um, não começava aí
mas por impressões e substantivos
em vias de desaparecimento, terras virgens
restos alucinados, uns quantos bicos
de pássaros e o vento tingido
de um sabor a carne,
nada foi desperdiçado, nada se erodiu.
Os nomes que nos pedem as coisas
admiráveis, dolorosas, tudo isso
como uma língua que só se fala no escuro
explica porque se beijam na boca os poetas
e se reconhecem sós, enquanto
outros fazem-no por imitação
e teatro. De corpo a corpo
verte-se a alegria, como a flauta
que o russo fez a partir das vértebras,
dando aquele concerto antes de matar-se.
Em segredo, tantos o escutaram.
O vento começara a morrer,
tínhamos perdido o sul, as luzes ecoando
sobre as águas, depois de um ponto
nenhum grito sobrevive mais que uns dias
Os pássaros não pousam,
tudo fica pendurado, mesmo cá dentro.
Uma chamada cobre a mais longa
distância, cheia de cortes,
e se mal abrimos a boca, ouvimos mais
e cada detalhe ferve a imaginação.
Se alguém dissesse a palavra
de que precisamos, se cada homem
valesse pelo último, comendo pela última vez
o bolo de gengibre dispersando as aparas
ao pegar na chávena beber um gole
sentindo a dignidade dessa luz,
dos cinco minutos que se seguem.
Deixa as janelas repletas de versos,
como se erguesse o próprio crânio, mas
para quem?, e as sequências que regista
serão os estorninhos, a beleza que precisa
de tradução apenas para morrer duas vezes?