segunda-feira, junho 16, 2025


Ainda seguimos os fogos
cultivados de noite por homens que lêem
para se salvar
temos lido uns para os outros
na busca das coisas mais ofensivas,
tudo quanto possa
compensar-nos destas vidas,
da total falta de brilho da época.

Já não temos clientes, e agora só 
atraímos os indígenas do fundo do poço.
Tocamos o vidro e as mãos, fazemos 
perguntas, olhamo-nos
pelo reflexo,
acenamos a esses estranhos
prestes a serem esquecidos.
Parece uma boa altura para beber
com verdadeiro afinco,
despenhar-me junto dos vasos,
arrastar-me pela casa como uma estrela
moribunda, abrir a janela e
pedir milagres, ouvir o vento dizer
que sim.

Ponho os envelopes na mesa, leio
os cantos das cartas,
das fotografias, vejo o quarto como era
quando ela deslocava sinais na pele
como lhe apetecia,
e falava baixo, gerando um favor
silencioso ao seu redor.

Não retirávamos as flores antes
de se parecerem com fósforos ardidos.
A essa luz vi o avesso do mundo, e fui
a sensação de ser miúdo já tarde,
de nos ouvir tão próximos os passos
compondo a noite, decorando detalhes,
e depois lendo as cartas ressuscitei
a mesma chama sagrada
e parece-me que ainda nos oiço falar
uma língua cada vez mais estranha,
e gosto de medir a expansão do universo
através desta distância.



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