terça-feira, julho 30, 2024


E que importam todos estes trabalhos,
afinal de que nos serve um tão grande apego,
fazes sequer a menor ideia
do que pode seguir-se?
Por alguma razão aos condenados
interessa tão pouco falar no futuro.
Quem chega ao mundo deve libertar-se
de tanta tralha, e só então lhe tocará
um desejo enfim renovado de pôr os pés na terra
depois de uma tão grande fadiga nos museus.
Contamos os degraus enquanto a luz
ganha as suas antigas propriedades,
e é possível perceber como a vida
lhe responde,
como isso te deixa imóvel a assistir
enquanto tudo à volta se transforma,
nesse modo que há de arder
encostado a ouvir a canção e o tumulto
dos mundos que houve,
e alguém terá de apagar-te o corpo com as mãos
até dele restarem apenas cinzas, alguém
que te desperte do embalo e abandono
a uma tão melodiosa gravidade.
Haveremos de falar mais tarde,
reaver a sequência olhando os frascos
de compota cheios de pirilampos
apanhados lá atrás dançando em honra
de uma era há muito extinta,
passaremos um bocado os dois 
a ferver num pote umas ervas
e o próprio nada, que perfume!,
todo esse alimento para oferecermos
às distâncias, reanimando-as.
Agora que a morte começará por fim
a soar-te como deve, como uma piada
com toda a sua redundância, ela mesma
exprime a única tarefa ao nosso alcance: 
trazer um pouco de ordem
entre a devastação, colher no lixo
as semelhanças, a ruína enternecida
e os seus delírios. Basta ter o sentido
e mesmo entre o pó nos será possível 
beber a tonalidade das coisas,
deixando que as antigas vozes
de novo façam vir à superfície 
aquela jubilosa frase infindável.


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