terça-feira, junho 27, 2023

Puetas ao domicílio

 


Estávamos só à espera do pioneirismo dos nossos poetas-sertanejos (os da Sertã), que se lembraram que havia ali uma oportunidade para ir apregoar a lepra lírica como fazem as testemunhas de jeová servindo-se do mais incontornável dos nossos dramas sociais: os coitadinhos dos velhadas, que estão para ali esquecidos no interior e viram já morrer gerações de tarecos e canários, esses que não têm quem lhes faça serenatas, os que tanto merecem uma cantoria ao domicílio para espantar a mosca emissária, para distrair das notícias dos incêndios, para poderem eles também ir desenterrar os cadernos onde ejacularam uns versinhos faz já séculos... Era chegada a hora de aproveitar o ímpeto deste momento de estrondosa criatividade em que todos os dias se reinventa a roda, novos e tão férteis géneros literários para que toda a alma que sente o apelo do funcionalismo público possa vir dar o seu contributo, não tanto naquela vertente do que gera grandes sobressaltos íntimos, tremores em letra de forma, mais no regime do "se Maomé não vai à montanha"... Como dizia aquela estroina que já conseguiu que a editora do Estado lhe reunisse as declinações do tumba-la-lão num grande tomo, só falta mesmo arrombarem portas de casa e fazerem os velhos reféns... E ela diz isto a rir, mas se o fizesse ainda era a única coisinha que nos deixava parecida com o fervor que deve estar contido num poema. Até agora ainda só lhe vi latas de sopa das letras que ela ferve e serve a malta senil como aos fedelhos aquela literatura infantilóide onde antes se continha. Agora torna-se justamente imperioso repensar todo o modelo da oferta e, sobretudo, da procura (que é aí que está o busílis da questão, pois não há procura para tanto artista, e a solução terá de passar por alguma forma de invasão) no que respeita à programação cultural, e explorar novas oportunidades junto dos que não estão para se maçar nem arrastar a carcaça até algum auditório que, se não estiver a cair aos bocados, o mais provável é que esteja assombrado pelas alminhas das sucessivas companhias de teatro que ali puseram em cena produções também escritas pelas nossas Tabordas e depois exibidas noite após noite para os bêbados e as primas retardadas, isso ou o pavilhão gimnodesportivo com aquele distintíssimo cheiro a ranço, a arena multiusos com o chão peganhento dos casamentos onde acaba tudo a ir ao grego, daí que os velhinhos, esses que se têm safado dos programas de eutanásia e que não têm o suficiente para ir aos seminários da Cristina, não arredem o pé de casa, algaliados à tv, o que não quer dizer que não estejam doidos para ter algum desses visionários com as mãos mergulhadas nos bolsos e a fazer chocalhar as estrelas ali, ao vivo, em altas performances na sala de estar, eles com certeza até gostariam de sentir a casa a tremer no meio de uma bruta tempestade que rimasse, mas não querem é deixar aquela posição vantajosa de quem observa o país inteiro do sofá e, assim, para não perderem o lugar, ficam-se por ali mesmo. E nós, na senda desta Uber-lits (para quem sofre da traça e precisa é de literatice), também estamos a ponderar ir extorquir alguma autarquia a ver se nos deixam ir beber uma fresquinha este verão durante algum jogo de futebol, algum campeonato de atletismo ou volley ou até para ir ver algum programa da tarde e comentar a coisa com o Camões aberto, e depois fechar em grande com um chichi cadenciado, uma bela melodia pingando à volta da retrete, porque o país real, o país profundo também tem direito a esta sinfonia mínima, e os poetas, diante de um tal desígnio nacional, não se farão rogados.




 

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