terça-feira, junho 27, 2023


Vamos perdendo o direito ao mundo real
Agora ela, os nomes desfeitos já
daquilo a que se referiam, sons vagueando
entre tudo o que nos foge,
à tona da água a espuma do que éramos 
e o impulso de cada estrela achada,
o golpe, a tensão na cordagem, as feições
do tempo, a fúria desses círculos
em que remamos à espera 
mais cedo ou mais tarde embarcas,
aprendemos a falar entre as vagas as batidas
da tempestade, levamos sobre a língua 
sem os esmagar os bagos da romã inteiros
e despetalando o malmequer de rum,
revemos sinais das terras que se folheou
e a cor dos intervalos, cozemos os olhos 
com ervas, algas de tantas estirpes,
para ver outras coisas
o amor breve em quartos espalhados,
a casca dos frutos como postais nos bolsos 
outras lembranças que aderem à pele, 
capitão de um navio destroçado, perdido,
mais fácil soletrar que vê-lo reunido
sobre o balanço das águas, mas estuda
o vento, murmura aos deuses e deixa
que a nódoa marítima te atravesse
e corrompa a vida com o gosto a sal
a humidade o cheiro de tudo como cresce
um curso de água clandestino
canção das coisas na corrente
que leve te arrasta pelo caminho sonâmbulo 
e as ilhas depois recortadas com os dedos
pedaços de papel também flutuantes
à deriva, e faz-se de conta e somos
os estranhos com tanto espaço dentro
de nós, e de longe a longe alguém
se confunde e chama-nos pelo nosso 
verdadeiro nome

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