quarta-feira, dezembro 28, 2022


O que de melhor há
para definharmos alegremente 
são os transportes públicos, comboios suburbanos
dos que seguem vazios a horas que não importam
para lugares sem interesse nenhum,
aqui voltamos a observar tudo
com uma clareza dolorosa, 
a ler seja o que for, e até os jornais,
na perpétua busca de uma linha convulsiva,
uma esperança de nada em nada
medida, cosendo pelo meio
estranhas associações, imagens,
tudo num mesmo tremor
até que os reflexos aprendam
como estalar os espelhos.
Sentimos a ameaça de um pardal,
emissários discretos da natureza,
o coração examina tudo, e o sangue volta 
frio de cada miragem, e aos poucos
volve-se essa ruína que se rói no escuro
São sempre poucas as mãos e menos
as linhas, e de que nos serve
puxar tudo de uma vez só,
para onde? que terra, que prato ou sonho,
o que seria capaz de sorver
o mar onde encharcamos os órgãos
onde estes amadurecem
como frutos mordidos por nós tantos anos 
antes? Estas noções regressam connosco,
flutuam perfumando os quartos 
onde nos refugiamos exaustos da memória,
desse balanço, absorvendo a corrente
na carne. Tive uma distância imensa
em tempos, como um animal doméstico,
fazia-lhe festas e tudo me parecia
suspenso num grito,
a luz acesa sempre espantada,
as lembranças vinham falar-me de si mesmas,
infinitas conjecturas, essa névoa um tanto
desarticulada e da qual emergem
as poucas conspirações que contam ainda 
para alguma coisa, que fazem da loucura
uma espécie de passe social.


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