quinta-feira, março 26, 2020


Não sei se já pensaram nisso, mas se o negócio dos livros for com os porcos, só vão poder contar com uns poucos editores perdulários. Mas quantos? O que pareciam migalhas... Acaba-se a mama e aí se vai ver o que fica. Dê por onde der, nos próximos meses, vai ser uma limpeza. E por uns tempos, os que aí estão afadigados, cheios, hão-de saudar esta suspensão, o tremor inquietante depois de se recolher sem aviso uma tremenda agitação, deixando aí largadas tantas coisas, cegas e estranhamente sigilosas, como tácitos escravos. Entre elas livros possuídos da frivolidade de uma hora que se evaporou, expostos agora na sua absurda necedade, como testemunhas de acusação que nos falam de tudo o que se fez sem razão, gravidezes que se aproveitaram do tesão do mijo. Um império de abcessos, de ridicularias. Não demorará muito para que tudo isso nos cause arrepios. Ruínas que estão prestes a fazer troça de nós. Nas livrarias pilhas desses livrecos para aqueles a quem não basta a televisão, as sessões de idiotice patrocinada... Pois esperem até se ouvir os pássaros no idioma, não nas margens, piando, mas na própria mancha de texto, repovoarem-lhe áleas e recantos, virem indagar que treco nos deu, que silêncio todo é este, os lugares desertos rezando para que não voltemos tão cedo, até vir à tona o burburinho dos mortos, enquanto quem se recolheu inspira através deste delírio comum entre as filas de secretárias nesta sala virtual, e no abandono que vai lá fora se pressinta um desejo de ocupação. Não está difícil acreditar noutras subtis calamidades. Neste intervalo dão-se outras tentativas. Notas que serão trocadas a uma outra luz, enquanto as nossas próprias vidas não parecem senão aspectos de uma ficção confusa, um primeiro esboço abandonado a meio na década de 60 do século passado por um escritor de ficção científica que decidiu dedicar o seu tempo a coisas melhores, coisas como tratar melhor das roseiras, e puf, lá se foi esta porcaria em que estávamos tão investidos, a última frase incompleta engasgada à espera de um impulso na fita da máquina descorada, e ninguém que nos valha, só um estúpido final, um vírus quase informático, um bloqueio dos sistemas e aqui estamos, nem anjo exterminador nem juízo de espécie nenhuma, nunca mais os deuses perderão o seu tempo connosco. As nossas queixas, os gritos e depois os soluços, à distância, serão como uma ténue vibração ou música, quase prazerosa... E já não vos posso dizer mais nada, o que vi depois era mais do que até eu podia suportar.

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