terça-feira, agosto 21, 2018


Há um sal de tempero, mas não o grão que faz sozinho o seu trabalho, esfola a língua, tira-lhes do sentido o pouco mundo, ritmado, dando aulas de dança. Podia chegar-se a um diário ele mesmo ladrão, que puxasse a cavilha, expondo a calma antecipação de um desastre. Esperando o que vier, dividindo os passos dos lados de um carril já desusado, quando o abandono vem com a sua vegetação, se alça sobre os atrelados, mete ninhos disto e do outro, e é como se o chão mastigasse com todo o vagar essas carcaças sonhando já a nossa extinção. Vejo a electrificação da linha, o outro lado, o exílio desses merdas, tão dedicados onanistas controlando a entrada de ar. E o que acho? Que o esplendor um a um, sim, o mel e o mal, claro; os dois até trocando abelhas, não é coisa que peça explicação. Mas de tudo o que nos põe na boca um gosto abrupto, para aguçar o mínimo, há a mais essa operação suja, insuportável e que serve para espanto de quase todos. O fedor da persistência, motor dessa prosa de coleccionismo, umas rarezas mortas, uns roedores de volta, e o álbum dos insectos, lepidópteros e o raio provando a paciência do carcereiro. Não tenho lume para tudo isto. Estou com o susto que foi ficando, que ficou tarde. A rua vem dizer-me um crime que nem interessa; irá passar despercebido, por mais grotesco: de saco de plástico na mão, catando lixo, os resíduos, com um sabor de coisa artificial, até pomposa. Demasiada inspiração, como se sabe, volatiliza a bruta clareza do autor, isto quando devia ser ele mesmo o aspecto mais sinistro da coisa toda, sem desculpas, sem vir arrumar tudo, talentosamente, numa bela justificação. Eu espero um desses que descansam a cabeça, e os demónios dela, à margem de um disparo: o ar interrompido, buscando-se todo. E depois uns meses num nomadismo sem a menor ênfase, recalcitrante, lembrando-se das intenções que antes tinham um bando. Quando miúdos mijávamos um muro socialmente (medindo-nos a que olhos?), e não havia ainda esta sensação de limite, esta moral que se foi fazendo da nossa indolência. Não sei comparar senão com a fantasia de um passado que colou os cacos, abriu a cova para não ir arrastado. É esta a estória que posso, sem rodas nem trilho. E não é desconsolo. É vidro que trago moído na boca para assim, nem por distracção, acabar engulindo outra.

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