segunda-feira, julho 23, 2018


Um vento que racha numa raiva das ideias, a cabeça num balanço no cimo dos ombros como tempestade dentro de casa, perdido num buraco vacilante entre a obscuridade e cada raio, tantos passos indo e vindo numa de iludir este quarto imerso em pesadelo. Olho em redor e lembro-me daquele reflexo de sol infantil que a viu despir-se ali. Sei que hoje se despe na luz dos outros, mas que diferença me faz se fecho os olhos e ouço ainda os acordes pesados do seu perfume. A dor abre a consciência à memória prodigamente como se abre uma veia. Embriaga. E já me levo aos tropeços insultando os sombrios deuses da casa. Sento-me eu e uma lâmpada nus. No ar escrevo tremulamente a minha dolorosa transformação forçando as palavras a perderem o juízo. Sobre a mesa do passado repito o velho encanto que esgana o presente, deixo que a sombra de um som reze e lance a sua linha até que algo morda. Inspirado saio a tardos carreiros iluminados por uns frutos caídos. Levam-me a um jardim sufocante onde estátuas leprosas guardam ainda feições meninas. O vento que em todas as línguas se comove a esta não a percebe. A cidade embrutece. Tão cedo damos por nós entre figuras quebradas que se esgotam a circum-navegar praças e largos, a descer e subir de olhos vazios as ruas até que por fim todo o almirantado se reúne nalgum dos seus atracadouros. As mãos caídas graves fechadas sobre remos de cinza. Fundidos na ressaca perpétua de um império humilhado são nossos os corpos frios que compõem o fundo dos vossos postais. Anónimos e por isso mesmo tão familiares.

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