sábado, julho 21, 2018


Ser cego ao meio-dia para ouvi-las rendilhar a brisa no jeito como dos lençóis lavam a mancha dos sonhos. A roupa sossegada no muro arde ao fogo lento das hortênsias. Estampas japonesas, o bosque atravessa-te o vestido na corda, amor, como todos, tido e inventado. Música de ervas e as cigarras nos ouvidos das árvores, o vento vinha a fraquejar, armado dos dentes de leão, aparas de asas. Um tremor nos lábios e o campo meditando. Versos intuídos de sons tão longe da vida, escritos de leve no seu avesso. Fruto mais alto do silêncio, se a esta hora caísse, a noite abater-se-ía profunda como um susto. Vais passando e passando febril de tão atento, graves caminhos que te levam a sombra meio enterrada, contra um fundo sem vento, lento, reflectindo. Fazes vozes para ir acompanhado, trocas os olhos por pedras nos bolsos, como se pudesses lançá-los cheios de um manso encanto luminoso. Ter um medo esperto, que sabe como demasiadas coisas são verdade, e só falta às vezes a coragem de ir até ao fim. Um poder como outros, caminhar com estrondo sobre os passos de outros, ter histórias e saber por que as velhas lendas moviam mais sombra. Ouvir o que à noite foi dito em estradas começadas há muito por confessores de brisas, esses que de tantas passagens levaram em odres, ao pescoço, o ribeiro. Estas aragens soam como cartas ditadas, vidas de pé e que se lêem de tão murmuradas, erguendo da terra silvos e antigos passos a que estas estrelas deram um rumo para lá do último horizonte.

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