terça-feira, julho 24, 2018


Reconheço o alfabeto dos passos, aí, de onde o vento se ergue: palavras errantes, um rastro herdado da luz de outras demoras, forças de antigamente, avanços técnicos ao lado dos líricos, máquinas a vapor a dobrar os caminhos. Coberta da sujidade dos pássaros, a velha carruagem hoje agoniza à sombra, moldura quebrada de outro século, um que deixámos para correr ao ouro, meter sela ao espanto, montar o transtorno e investir contra um vento que nos desfizesse, me lançasse para lá da minha pele. O que se é fora de si. Entre os outros, o frio que se faz. Uma arte de deixar espaços, em cada ferida um coração de aranha, construções sensíveis, canais para o instinto caçador do próprio sangue. A casa cheia de indomáveis, de amorosas coincidências tristes ou alegres, uma música diluída pelas eras. A noite treme fundo nos seus sonâmbulos afazeres, persegue sombras de estrelas há muito sumidas, abrindo os contornos de quem somos no limite da nossa obscuridade. Do trono espinhoso destas horas, elevei o meu silêncio até dele se ouvirem campos de trigo num rés-do-chão em campolide, o vento ferido cortando caminho, um zumbido que houvesse virado navios e o mar, depois, calmo exibindo cicatrizes antigas. As mãos no tanque, o queixo na pedra e um suspiro conduzindo as folhas, como cadáveres flutuando de sorriso na cara. Tudo contido, tudo transborda. Beberei das próprias palavras, dolorosamente cercado, um universo à parte, outras vistas. No mais, passar ao largo: perdido numa cadeira de balanço com as mãos cerradas no colo, contando os dias, até que olhar seja desmoronar-se.

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