domingo, julho 22, 2018


O lençol perdeu-te o cheiro, a cinza perdura como restos de sons e flechas dobradas, coisas rarefeitas, impronunciáveis. Ponho o melhor roupão e um ar de Eminência, chapéu de aba larga, meu andar de capitão com a tosca sinfonia do vento logo atrás enquanto desvio a lembrança do sangue e, de uma rua às outras, ponho Lisboa entre parêntesis e pulo novos meridianos. As nuvens feridas, castelos doidos num céu de fim de tarde onde já pastam algumas estrelas mansas. Pátios largos em que o eco apanha a própria voz e jardins acidentais que cicatrizam o abandono. A arte de torpedear memórias, sapatos largados calçando a história do vento. Ou esta mágica persistência da chuva que faz do inverno uma sensação nos ossos. Seres arcaicos passeiam um sono etílico, desenhando com os seus passinhos outro caminho, falando de um outro mundo nas línguas distantes em que rezam e se peidam, antes de adormecerem nas próprias mãos. Dás à costa nos cafés onde das mesas às paredes tudo é escrito a várias mãos: equações alucinadas, rotas para esquecer todas as índias, um índice fabuloso de projectos falhados. Com os dedos contornas o ralo do mundo. Eis-te no fundo do fundo, onde as ruínas bailam. Bêbado, sou toda esta distância aonde um soluço encantado ecoa enquanto os meus passos acordam rastros milenários. Oiço bem claro aquele sino que bate apenas para quem vagueia perdido. Expostas as partes baixas da alma, serve-se uma réstia de paixão com os insectos de volta, ébrios de tanta carne doce.

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