Isso de passar chumbo no passario, têm dito, ainda fará o céu despencar, cuida-te ou cai-te nos cornos. Nem seria mau morrer disso ao invés de ficar na geral vigilância do colesterol, mas está difícil. Até ao dia, nada, nem sinal de uma racha nas colunas. Mas sempre gostarias de saber contra que alvos se faz a pontaria hoje, tão comedidos que estamos. Se não se atira aos pardais, se às espécies migratórias ninguém se atreve, pelos mil anos de azar prometidos, resta o quê para espreitar por dentro as ininterruptas deslocações, o que é dos grandes movimentos continentais? Mal se ouve a ancestral respiração marcada, as cicatrizes mapeando cada desatenção. E o que é das exaltantes caçadas? Agora que as bestas prodigiosas não grafam já o seu mágico perfil nos nossos sonhos, que linha ficou para a mão se assombrar, fazer do esboço no fundo de uma caverna uma conjura? Porque estes não impressionam ninguém. Que triste descendência para os xamãs, tirando-as da cabeça tumultuosa, formas que prendiam à pedra nas galerias subterrâneas, com o fogo espreitando a obra sobre o ombro. O terror era omnívoro então, mas hoje que exemplo se oferece quando séculos depois se reclamam filhos uns meias-tintas, anarco-pensionistas que, ao romper do dia, saem do estúdio, da oficina, do tão decorado cárcere, saem da noite e do frio, para vender os bordados, chapéus de palha para a cambada de tigres de papel, em consonância com a incontinente consciência, e esses golpes petulantes, muito ao gosto, muito fruta da época. Ah, as belas "imagens mártires", que deslumbrante papel de parede, cenário de aventura dos reis dos bairros de ontem. E que linda a antiga tipografia, os hieróglifos, as runas, os caracteres de chumbo, produto interno bruto das clínicas da respiração assistida. Ei-los gestores da inanição (aclamações por sabermos estar vivos na geleira!), pedindo fundos, rifando pentes e garfos em nome de vagos projectos diletantes. E nisto, dessa alma toda, de tão grande paixão e revolta, foi-se a ver, não deixara mais que pêlos, nada que não a intermitência dos biscates: cartazes, slogans, o que levam os ratos das opiniões fortes, a ocasional itinerância e o gregarismo da videirunha, mais as máquinas de fumo da feitiçaria fetiche. Ó operários do agarrem-me-que-eu-vou-ma-eles, da inaparente sublevação, tribunal de recurso entre a terra e o céu, fazei-nos um retrato fatal, uma hiena que ri, a gargalhada que se afina entre os exaustos, tão talentosos ossos, esses vossos, de passarinho, que servem à época de palito.
terça-feira, julho 10, 2018
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