Crónica de João Pedro George, na Sábado (4.06.2018)
Que a sociedade portuguesa se caracteriza por uma insuficiência de autonomia intelectual e de críticas abertas e francas; que a imprensa deixou de ser um meio para criar opiniões esclarecidas, estimular a liberdade de crítica, reforçar a autonomia dos leitores, a prática de pôr em causa as ideias preconcebidas, e passou a ser um produto comercial que obedece aos interesses dos anunciantes, dos administradores e dos accionistas; que o nosso meio cultural é modelado pelos contactos pessoais, pelo clientelismo, pelo compadrio, pela endogamia, pela camaradagem oportunista e os apoios mútuos; que as secções de cultura servem sobretudo para fazer fretes e promover a vaidade dos colegas do jornal ou da revista onde uns e outros escrevem, ou seja, para benefício do seu estreitíssimo círculo de interesses particulares e de afinidades pessoais ou políticas; que as decisões tomadas pelos editores de cultura são movidas, não raro, por simpatias e antipatias, e menos por critérios de relevância social; que o contraponto dessas panelinhas são as campanhas de silêncio em torno de certos nomes ou personalidades; que os críticos são hoje meros publicitários e os seus textos meras manobras promocionais das editoras onde esses mesmos críticos publicam, traduzem, dirigem colecções, etc.; que as relações entre o jornalismo literário e as indústrias culturais são cada vez mais estreitas, o que propicia os esquemas, as maroscas, as alianças cómodas, as conivências, as solidariedades interesseiras; que todas essas redes de cumplicidades e de relações pessoais são tecidas, em grande medida, nos inúmeros eventos culturais – festivais, conferências, mesas redondas, lançamentos e sessões de autógrafos, feiras do livro, etc. – patrocinados pelas editoras, pelos consultores editoriais, pelas fundações, pelas autarquias, pelo Ministério da Cultura ou dos Negócios Estrangeiros, etc.
Que tudo isto seja assim já não escandaliza ninguém, já não é coisa de pasmar. Os prémios literários estão amanhados? Os críticos podem desrespeitar, sem censura nem emenda, o trabalho intelectual, fazendo passar por liberdade de opinião textos que visam contentar facções e devolver favores? A publicidade indirecta a certos livros passou a ser directa? O descaramento e a desfaçatez são crescentes? Como sabem, a discussão sobre todos estas questões do jornalismo literário já foi feita e refeita, já foi dito e redito que a crítica, na imprensa, é um local cada vez mais mal frequentado. Aí vão dois exemplos: «O crítico pode hoje ser inócuo e medíocre impunemente» (António Guerreiro); «Venho falando de uma ‘asfixia’ no espaço público em Portugal, e nomeadamente das promiscuidades e dos "amiguismos" vigentes no setor da cultura, mas que de modo nenhum existe apenas nesse» (Augusto M. Seabra).
Nada de novo, portanto. Se a corrupção é um elemento essencial do nosso país e atinge toda a sociedade portuguesa, desde a política ao sistema bancário, passando pelo futebol, por que razão haveria de ser diferente no campo cultural? Mas se este é um tópico tão debatido, se este é um tema inesgotável em Portugal, e se é impossível pôr dique a esta sarna, para quê, então, escabujar? Se é inútil falar, discutir, protestar, gritar contra este estado de coisas, para quê repetirmo-nos obsessivamente? Para quê perder o latim com semelhante assunto? Sim, para quê? A resposta é simples: para avacalhar, para troçar dos rebanhos de Panurgo, para satisfazer a minha vontade incoercível de escárnio, porque às vezes dá-me ímpetos de achincalhar. Porque os ridículos interessam-me, dão-me vontade de escrever, permitem-me debochar esses espertalhões que apelam à ignorância e à estupidez dos leitores. E, além disso, tratando-se de tema tão palpitante, que está tão dentro dos gostos do público, é uma forma de quebrar a monotonia e distrair as visitas desta revista, dando-lhes a assistir, de camarote, à história que vou narrar aqui.
Ipsilon
O jornal que, hoje, ilustra melhor a pobreza da nossa esfera pública literária, aquele que melhor transmite o legado da nossa secular miséria crítica e que tem sido um fermento de clientelismo entre jornalistas, editoras e escritores é o suplemento Ipsilon, distribuído à sexta-feira pelo Público. Muitos dos piores vícios acima mencionados deixam-se ali surpreender sem o menor recato, basta lê-lo todas as semanas: os livros publicados por quem nele escreve – jornalistas e colaboradores – encontram ali fácil acolhimento, são agasalhados por um trabalho sistemático de publicitação (recensões, entrevistas, reportagens, perfis biográficos) travestido ou mascarado de crítica literária. Sempre que um crítico do Ipsilon publica um livro, o jornal faz como em certas aldeias de Portugal: mata um porco e distribui pedaços do lombo do suplemento aos seus trabalhadores; abre três ou quatro garrafas de um santo e amável vinho e convida-os a sentarem-se à mesma mesa para partilharem o mel, a manteiga e a marmelada. Na realidade, o verdadeiro objectivo do Ipsilon é fazer felizes os seus críticos e colaboradores, é fazê-los a doudejar de júbilo, numa palavra, é fazer o marketing das suas carreiras.O retrato sociológico do grupo que escreve sobre livros no Ipsilon é aberrante. Ali se escoam manigâncias, maroscas e arranjos de distribuição de trabalhos em editoras, festivais e outras sujidades; ali se privilegia, sem o mínimo decoro, os interesses de certas editoras; ali se cozinham, de forma austeramente clientelar, as listas de melhores livros do ano; ali é libérrima, em suma, a corrupção literária. Este tipo de pornografia é tão frequente na secção de livros, ultrapassou de tal modo aquilo a que alguém chamou a «corrupção sustentável», que se tornou, quase, a face característica de todo o suplemento. Ao Ipsilon cabe, sem dúvida, a glória de ter aperfeiçoado estas práticas, e de as praticar com estrondo, honra lhe seja. O mais extraordinário é que este clientelismo tem resistido a todas as mudanças de director, seja ele José Manuel Fernandes, Bárbara Reis ou, agora, David Dinis.
Na sexta-feira passada, dia 1 de Junho, a capa do caderno principal do Público colocava em lugar de destaque uma fotografia com o perfil da cabeça do escritor José Riço Direitinho, a que juntava estas duas estafantes frases: «Uma solidão imensa que só o sexo acalma. José Riço Direitinho escreveu um livro como não existe em Portugal». Depois, ocupando quase toda a capa do suplemento, outra fotografia de Riço Direitinho (que acumula a actividade de escritor com a função de colaborador do Ipsilon, não é desperdício de tempo repeti-lo) e os títulos «Com o sexo na mão e pouco amor no coração» e, de novo, «O Escuro Que te Ilumina, de José Riço Direitinho: uma solidão imensa, que só o corpo acalma, um livro – cru, ferido – como não existe em Portugal». Avançamos pelo interior e a páginas 5, 6, 7, 8 e 9 encontramos: uma fotografia de duas páginas com a cabeça de um veado (género troféu de caça) por cima do corpo sentado de Riço Direitinho, que nos olha com os braços abertos apoiados nas costas do sofá e uma expressão grave ou incómoda; a que se seguem três páginas de entrevista, uma recensão crítica a três colunas e quatro estrelas. Quem esgaratuja? João Bonifácio, jornalista do Ipsilon.
O texto de Bonifácio é particularmente saboroso. Além das referências a Scott Fitzgerald, Philip Roth, John Updike, Hemingway, por certo fundamentais para perceber o livro de Riço Direitinho; além de Bonifácio não preservar a autonomia da sua escrita, deixando que ela seja contaminada pela linguagem do próprio livro, não deixa de ser cómico verificar a forma como Bonifácio aplaude e delira com a prosa de Riço Direitinho, nomeadamente quando pergunta: «O que acontece quando um escritor se liberta das rédeas do bom comportamento, quando deixa de ponderar como vai ser lido?». Depois de lermos às gargalhadas a citação anterior, encontramos mais à frente um dos melhores trechos: «isto é Riço, ou antes, é o Riço que se ergueu, por entre o mar de vaginas e mangalhos». A resenha termina asseverando-nos, num relance sebáceo, que «há coragem em escrever assim». É um anjo, este Bonifácio.
Em qualquer hemeroteca ou na Biblioteca Nacional, os investigadores que se propuserem estudar os costumes na nossa República das Letras (mas também os leitores mais curiosos e que possam estar apenas ligeiramente interessados no perfil sociológico do nosso meio cultural), terão oportunidade de avaliar o uso generalizado desta prática no Ipsilon. Aos que estiverem interessados em cavar mais a promiscuidade entre jornalismo cultural, crítica, indústrias culturais (editoras) e autores, remeto-os para os últimos dez anos do suplemento, onde será profícuo desbastar e examinar a quantidade de ocorrências de certas editoras em relação a outras (editoras onde, curiosamente, muitos desses colaboradores publicam os seus livros, e que estão, verdade se diga, a fazer o seu trabalho, a defender bem os seus interesses), de críticos que escrevem sobre o trabalho de colegas de redacção, os entrevistam, os promovem, os destacam, os levam ao colo, andam de braço dado com eles. Não duvidem: à luz das evidências ali disponíveis, os estudiosos do meio literário entenderão facilmente que o Ipsilon é uma mina a explorar, que ali se encontra farto material de trabalho, que ali poderão colher apontamentos para análises de muito proveito.
De facto, o Ipsilon concentra sugestivamente muitos dos vícios acima referidos, exprime bem a coabitação entre clientelismo e desrespeito pela liberdade de pensamento e pelo código deontológico dos jornalistas. O Ipsilon é daqueles suplementos que dão para fazer um estudo intensivo de observação da prática da endogamia na secção de livros, permite ver directamente o que são as relações generosas de compadrio e comércio intelectual entre os membros da redacção de um mesmo suplemento cultural; que nos ajudam a perceber que os críticos, quando organizados em família, são propensos a perverter a função social da crítica e a contribuir para o marasmo apático de uma parte não despicienda da sociedade portuguesa; verá que estão dispostos a incentivar e perpetuar a desfaçatez, a impunidade, a frivolidade, prepotência, e a exercer, assim, uma perniciosa influência sobre os profanos, os leitores médios que não vivem da literatura ou dos livros. Que mais fosse, só por isso o Ipsilon merecia um tratamento pormenorizado e sistemático, que alguém deveria empreender. Estudem-no, eis o meu conselho. Esse trabalho terá que ser feito mais tarde ou mais cedo, porque o Ipsilon será sempre uma fonte de consulta para teses e ensaios sobre a nossa conjuntura intelectual, que se mantém idêntica há mais de 50 anos. Uma conjuntura responsável pela perda de legitimação da autoridade cultural do crítico e que, graças a suplementos como o Ipsilon, continua a alimentar uma forte desconfiança em relação ao meio cultural (depois admirem-se que as secções de cultura sejam as primeiras, nos jornais, a sofrer com os cortes das administrações; depois queixem-se da falta de apoios do Estado; depois admirem-se dos jovens que já nem sequer se incomodam em sair da Internet para comprar o Público).
Diz não sei quem: que importância tem isso quando comparado com o que se passa no futebol, na política, nos bancos? Nenhuma e toda. Porque este tipo de destaque, num jornal como o Público, é a garantia de que o livro de Riço Direitinho, mais a mais numa altura em que decorre a Feira do Livro, um dos períodos em que as editoras mais vendem, em que os leitores mais se sentem inclinados a gastar alegremente várias dezenas ou centenas de euros, é a garantia, vinha eu dizendo, de que o livro de Direitinho concitará a atenção de um conjunto significativo de compradores de literatura; e, em simultâneo, participa decisivamente na criação de um núcleo de leitores, torna mais prováveis os convites para organizar isto e aquilo, para ocupar esta ou aquela posição de importância, para arrecadar dinheiro, poder e influência; permite-lhes esticarem-se em júris de prémios, em festivais internacionais, em eventos literários, etc.; é, enfim, uma plataforma de promoção que assegura um tratamento preferencial nos escaparates das livrarias e nas secções de novidades.
O que espanta, no meio disto tudo, não é o facto de o Ipsilon ser uma espécie de latifúndio ou coutada particular dos seus jornalistas e, em particular, de Vasco Câmara, o director do suplemento, que é quem dá luz verde a este tipo de subcrítica, que é quem tange a sineta para chamar os confrades (convidado a escrever, Bonifácio não se acobardou) dispostos a abdicar do dever de crítica e do direito de pensar, de usufruir da liberdade de opinião (desenganemo-nos: as críticas resultam de opções editoriais e, por isso, não vinculam apenas quem assina o texto, mas todo o jornal). O que ainda surpreende, apesar de tudo, é que alguns críticos não se vexem por executar trabalho destes, que se deixem tiranizar na sua inteligência pelo espírito de facção ou de clã; que dobrem os joelhos e façam genuflexões aos colegas; que aceitem colaborar em coisas que resultam de cumplicidades notórias e que, tendo toda a aparência de fretes, tornam suspeito o resultado de qualquer leitura e nulificam qualquer crítica.
Mas o que não se entende, sobretudo, é que os próprios obsequiados aceitem colocar-se nessa posição. Eis a perplexidade! Que Riço Direitinho se submeta a esse papel (de onde é que ele tira a coragem para se sujeitar a tal ridículo?). Ao que parece, a vaidade própria não lhe permitiu recusar esta indignidade, tal como o desrespeito pelo trabalho intelectual também não levou Bonifácio a escusar-se de escrever uma «crítica suja» e a converter-se num crítico que cai e que se aniquila.
Isto não é desmerecer o livro de Riço Direitinho (que não li e que não está aqui em causa), nem quer dizer que é péssimo o seu romance ou que ele não possui, eventualmente, muitas qualidades de boa nota. O que está aqui em causa, isso sim, é a credibilidade de um jornal de referência que publica textos que são a negação mesma do princípio da crítica independente e que, por razão, brincam e jogam com a confiança dos leitores; trata-se de fazer ver (a evidência disto mete-se pelos olhos dentro) que um jornal que se preocupasse verdadeiramente com o rigor intelectual do seu recheio deveria ter convidado alguém de fora da redacção, ou do quadro de colaboradores, para escrever sobre o livro de Riço Direitinho; do que se trata aqui, também, como referi antes de passagem, é da violação grosseira do ponto 11 do Código Deontológico do Jornalista, aprovado no 4º Congresso dos Jornalistas em 15 de Janeiro de 2017, confirmado num referendo realizado a 26, 27 e 28 de Outubro do mesmo ano e que reza assim: «O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse».
Como se vê, uma das excelências do Ipsilon é a faculdade de se alhear ou ignorar deliberadamente o ponto 11 do código deontológico dos jornalistas, promovendo os livros dos colaboradores e sobrepondo os interesses pessoais ao princípio sagrado da informação e da análise independente. A aborrecida verdade é que este problema – a endogamia nas secções de cultura – raramente merece do sindicato dos jornalistas a devida atenção. De resto, a cultura é uma actividade reguladora (reguladora porque, ao outorgar ou negar valor literário, tem uma função de legitimação) escassamente regulada. Ou seja: não existe uma autoridade formal nem mecanismos de credenciação que determinem quem possui qualificações para exercer a actividade de crítica literária. Na realidade, ao contrário de outras áreas dos jornais, onde as condições de acesso são mais restritas e controladas, a secção de livros é uma actividade muito pouco profissionalizada, onde a maioria desempenha o seu trabalho sem qualquer credenciação profissional ou regulação externa. Para se escrever sobre livros não é preciso um diploma nem uma formação regulada, a única coisa necessária é a vontade de ser crítico. Trata-se, pois, de uma actividade que depende da regulação individual, donde a importância dos favores e das ligações interpessoais na obtenção de empregos e oportunidades, o que faz com que todos precisem uns dos outros e sejam mutuamente dependentes. E daí, também, a razão pela qual ela é uma fonte constante de conflitos e desconfianças.
Morte da crítica?
Não contem comigo para, a propósito deste ou doutros casos no passado, atestar o óbito da crítica. Porque o cadáver que é preciso enterrar, hoje, é a crítica jornalística, essa é que entrou em colapso, não a crítica em si, entendida como capacidade de descrever, analisar, interpretar, avaliar e julgar. Esta pratica-se hoje noutros lugares, na Internet, não nos jornais ou revistas em papel, onde também é certo que o espaço e o tempo que os críticos dispõem para escrever recensões é cada vez menor: as críticas deixaram de ser crítica literária e passaram a ser notas de leitura, textos curtos com uma linguagem cada vez mais uniforme, que se aproxima muito do discurso das badanas e contracapas (para não falar das condições de trabalho, cada vez mais precárias, e dos honorários, cada vez mais baixos). Que os leitores se não iludam: a crítica que vive, aquela que incomoda, que mete o dedo (ou a mão toda) nas feridas, que diz o que ninguém quer ouvir, que se opõe e protesta de forma exigente e independente, que excita consciências, que questiona o nosso aqui e agora, está em alguma Internet, está no Facebook, está nos blogues, está em alguns jornais e revistas digitais.A Internet operou uma mudança radical na forma de entender a crítica e a autoridade dos críticos. Por um lado, esbateu a separação institucional entre os profissionais e os aspirantes a críticos, e, por outro, subverteu (e bem) a distinção entre alta e baixa cultura. Isto implicou mudanças quantitativas e qualitativas. Desde logo, incrementou substancialmente o número de críticas e recensões disponíveis, fez com que não exista, hoje, praticamente manifestação cultural que esteja imune à crítica. Depois, transformou a própria relação com a crítica e com os críticos: graças às oportunidades que a Internet criou para a participação e a interacção no âmbito da crítica, os leitores passaram a poder interpelar directamente os críticos e a responder-lhes, mostrando o seu acordo ou desacordo. Graças a isso, os leitores passaram a usufruir, também, do poder de estruturar os significados das leituras.
Ora, se é verdade que a Internet não fez desaparecer as hierarquias, já que também aí existem formas de distinguir os críticos profissionais e os críticos amadores, não o é menos que os gostos de uns e de outros surgem, muitas vezes, em pé de igualdade. Dito de outro modo, ao democratizar e descentralizar a crítica, a Internet libertou uma excitante energia criadora, teve um efeito tonificante, fez com que todos possamos ser críticos. Enquanto isso, na imprensa, a crítica praticamente deixou de existir e a que ainda existe é estéril e sáfara, confunde erudição com profundidade, perde-se num palavreado hermético, incompreensível para o resto do género humano, bifurca-se, divaga, é incapaz de construir argumentos que sejam simples e claros para todos.
Conclusão
Voltando ao ponto: a crítica do Ipsilon não pode satisfazer as necessidades de um público leitor mais exigente, mais instruído e mais viajado. Não há nesse suplemento quase nada que possa seduzir os leitores mais rigorosos e atentos. Ao assumir-se como um meio de publicidade dos livros dos seus jornalistas e colaboradores, ao dar-lhes tantas facilidades para promoverem o seu trabalho e ganharem nome e prestígio para multiplicarem as suas oportunidades de emprego, o Ipsilon excluiu a crítica das suas páginas e constituiu-se como um clube de cavalheiros beneméritos que distribui favores pelos colaboradores.
Entendamo-nos: o Público é um jornal privado e pode promover quem e como quiser. Tal como os seus leitores também têm a liberdade de descompor um jornal que está a fazer um mau serviço, cujos jornalistas parecem ter tatuado na testa os seguintes deveres: «juro escrever sobre os livros dos meus colegas de trabalho; juro elogiá-los e endeusá-los». Tal como não podem impedir que o leitor, assistindo constantemente a estas práticas, resolva deixar de o comprar e de o ler. Muita gente sabe que não morro de amores pelo António Guerreiro, mas a verdade é que era um dos poucos que ainda me levava a comprar o jornal à sexta-feira, sobretudo quando diz coisas como esta: «Não farás autocrítica; o jornalismo é ofício de auto-celebração».
Não sei o que pensarão vocês, mas para mim a secção de livros do Ipsilon é falsa nas suas bases, não tem sentido nem função do ponto de vista intelectual. Ora, diante do descompasso permanente entre a ideia de crítica e a prática dos seus jornalistas, é inevitável esta conclusão: o Ipsilon é a contra-experiência da crítica, é o quilómetro zero da crítica.
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