quarta-feira, junho 06, 2018

O Anticrítico


Não tenho conta para as vezes todas em que, para ir com a rábula insultuosa que me tecem, pegando uns onde outros deixaram, numa cooperativa de imbecis que, sinceramente, me comove, já me quiseram tirar a condição que vem de tudo o que faço. Mais difícil seria desmontar alguma coisa. Resta que, ou ignoram muito vermelhuscos, ou a ideia é revogar-me a carta, licença, prostrar-me na indigência de eu ser uma qualquer abominação, “Bicho”, monstro que ligam com tudo o que é baixo, e mesmo assim paira sobre eles sem explicação. Um chernobyl encarnado. Crítico não sou. Ou só pseudo. Videirinho e jornaleiro, pilha-galinhas e o mais que eu coso bem ao meu estuporado currículo. Pois seja, eu fico então gordo disso tudo. E viro-me do avesso. Sou o anti-crítico, então! Roubando esta de Augusto de Campos sem pudor. Há muito que não me retiram do sentido a ideia de que o principal é cortar com a impostura disto tudo. A gloríola da mediocridade, o sentido gregário, essa ratada ficção ligando os “egozinhos de porta-aberta” do nosso meio literato. Se hoje raro se ouve falar dos livros sem ser na linha do critiquês, escarafunchando minúcias da treta, dando corda para análises de carrossel de feira, desviando a atenção dos melhores para os de segunda, ou baralhando, confundindo, e assim o ferro em tudo. É o modo que a “incompetência cósmica” tem de vir para o centro, esses que gostam de tudo e, afinal, como se sabe, não gostam é de nada, mas querem mostrar serviço. E põem no mínimo de si e das suas arguições uma estratégia de lucro pessoal. Porque hoje, não nos enganemos, a unidade monetária é um ratito de atenção. Ora, o mais avisado é dessa seita fugir, e inventar-se até mais que os sete pés para isso, baloiçar no fio de baba que nos cai da boca assistindo à infindável palestra dos sem tesão e saltar fora. E não é que a crítica séria tenha acabado – no jornal ou por outras bandas –, simplesmente não tem é vazão, perdeu o sentido; é falar para o boneco. Os críticos-críticos ainda vingam na academia, isto se tiverem paciência para o burocratismo imbecil que ali viceja. Já os artistas-críticos não vingam em porra de lugar nenhum. O que não os impede de prosseguirem os seus estudos de forma pacata, longe deste circo pindérico. Não eu que prefiro bater. E não me vão ouvir queixas quanto à falta de alvos, caça grossa ou pardalecos, mesmo pombos lerdos onde aguçar a pontaria. Assim, o meu “anti” é uma dedicatória a todos eles. É um fracasso, o mais espalhafatoso possível, sem estar voltado para a chinfrineira desses amanhãs que talvez ainda afinem e venham a cantar.

Post Scriptum:
Sobre as persistentes e obtusas questões que levanta este cadáver (com a distorção no ar tão própria da sua ressentida pestilência), sempre mais relevantes por mapearem a expansão do seu ângulo morto, de tudo aquilo que lhe convém ignorar, desligando-se da vida como, de resto, é próprio de um defunto, o que se pode dizer face a um ataque que opera todo ele sobre uma desonestidade intelectual que só não é escandalosa por ser comparticipada pela maioria? Ao fingir desconhecer algo que não lhe seria legítimo caso estas questões realmente lhe interessassem, não unindo os pontos da vasta demonstração que temos vindo a servir-lhe de uma outra forma (melhor, mais consequente) de se fazerem as coisas, seja no campo da edição seja no da divulgação e da crítica, é ele quem anula qualquer possibilidade de entender seja o que for. Que resposta poderíamos dar a essa ficção de ignorância que ele e tantos mostram pelo esforço que eu e outros vimos desenvolvendo? Só porque nos eximimos do auto-elogio, não quer dizer que estejamos pouco conscientes da preciosidade do nosso contributo. Simplesmente, estamos fartos de saber que não vale de muito gritar a um surdo. Mais facilmente lhe cairiam as orelhas, no avançado estado de decomposição em que se encontra, do que o arrepiaria não só o trabalho da Língua Morta, de um projecto como o Arquipélago, ou daquele que temos levado por diante sem nenhuns recursos no jornal i. Um esforço pouco apreciado, tão desdenhado, mas hoje inigualável no espaço literário português. Portanto, e voltando atrás, como responder a quem recusa aceitar actos no lugar de palavras? Que outro manifesto podia ser mais coerente?

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