Um gajo hoje vê-se aflito se quer pôr os olhos no rasto de suor e tinta dalgum autor malcriado, seja dos que puxam da caneta como duma espingarda ou por que outros meios se arme para arrear no mundo, faça a sua fita, calibre o seu raio-qu'os-parta, assoberbe vulcânico o espaço em volta. Um escritor que não ponha a frase segundo a corrente comum, nos erice o juízo assim que lhe passamos os olhos pela linha, ainda a ferver, de tal modo que se tenha a sensação das paisagens dos dois lados da linha correndo por nós, num certo pânico, e seja impossível desmontar de tamanha fúria lançada. Mailer diz que estilo e carácter são uma e a mesma coisa. Já os que entregam a bobine e se deixam projectar na tela segundo os ritmos gerais, esses que estão bem para muitos, merecem-nos a maior das desconfianças. Afinal, em nome do quê vem um gajo meter-se em agastes destes se lhe bastava dar um recadinho. O que avilta é o quanto por aí vai de belfos dando-se uns ares homéricos, correndo pelos holofotes, que, numa época destas, mais não são que os candeeiros de umas quantas mesas apontados na mesma direcção, e lá vem o engraçadito do escriba com aquele ar de mal-nutrido roedor, a farda comichosa, como se para as letras houvesse ainda projecto, alguma coisa além das dores de cabeça dos mortos, o saber como tudo foi em vão. Que lhes tenha dado gozado, coçarem o rabo com a mão de deus, essa que deu por si a escrever páginas tremendas, e a glória que resta é ficar até tarde, uma dessas horas em que o mundo quase inteiro dorme, discutindo questões de articulação com uns poucos raivosos, sabendo, quanto ao mais, que chegou o tempo dos vermes, o tempo em que ser esquecido é um favor que se faz aos melhores, e depressa, antes que algum dos impiedosos imbecis se lembre de enfiar com eles no asilo dos papers, esse bando infernal de dentistas que continuam escavacando a carcaça, profanamente de roda do que não interessa, mandam-se aos ossos como a um mina em busca de indícios de oiro, e logo comparam-nos com um troglodita como esse porque se cruzaram com ele na cantina da faculdade, na festa de anos da Bárbara, um destes que se sentam a escrever romances, repetindo a miséria como a lêem nas revistas, carregando a frase a ver se a coisa soa, como se se tratasse de uma questão de cheiro, não tomando banho, refazer o coração com as matérias que parecem muito ricas noutra língua mas que logo murcham nesse coiboiinho de foscas impressões, os ventos outonais dedilhando as folhas secas, entoando uma música humana feita de suspiros, e depois que põem o livro cá fora, ficam-se a chocá-lo, mas o frio que faz, por mais que o aqueçam, só isso lhes resta, a longa espera, e pôr outro, e outro, fábricas de ovos, e ninguém tem o atrevimento, ninguém se arrisca a sugerir que talvez se o cozessem, talvez frito o ovo... Zangam-se muito, saem irados para baterem eles mesmos nas latas, e isto depois de tanto se queixarem de que o pior de tudo por estes dias é que já não se pode com tanto barulho.
sexta-feira, maio 18, 2018
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