quarta-feira, abril 11, 2018


Já não há luzes acesas, dei o corte geral
afogando o quarteirão para ouvir-te
e o cochicho do alto foi o que ficou
a cerimónia das constelações esquecidas
debaixo uma terra que os mortos tornaram convulsa
os pertences espalhados na erva, dorme-se
pior que nunca, sons roubando formas
algum susto fazendo perguntas,
eu mal respiro, e só entre os dedos sujos.
A claridade veio e foi, eu vi-lhe
sobre a anca a marca das tuas cuecas
e de nada serviu a flor que desembainhei.

Bebo das poças, chove um restinho
dá-me uma conta para fazer sob o telheiro
a tarde com o último galo preso entre os joelhos
e eu recupero-me sob o alarido dum pássaro disperso
algum sonho operado por formigas
deixam-no a decompor-se sobre um espelho
bico aberto, envenenando o céu.

O sangue e o tempo não me dizem nada.
Daria o que tenho a um pássaro que cantasse pior
isto mesmo, quase gemesse
caindo fora do alcance do ouvido comum.
Como tem de ser. Mexe-me nos papéis
molha as penas nesse copo escuríssimo
tão misturado por esta arte insuportável,
arremetendo lenta contra os amanheceres
de que os pincéis bebem o seu contentamento.
Prefiro extrair um sal que mexa as águas,
puxe para terra novos terrores
um gole que me vire inteiro, de fora adentro
dentes para um lado, a vida que me resta
para o outro. O silêncio pesa-me o coração
vai ler-me a carta onde tu dizes que não vens
e se nem hoje vais mudar de opinião
passou já o tempo de ir buscar-te à força.
Sentes este frio? O mundo tem encolhido tanto
parece que nem sinto os pés.

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