sábado, novembro 11, 2017


Vamos ler sobre isto mais tarde,
debaixo da mancha do café, como o crime
corrigiu a postura do local em redor,
cada detalhe admirado de si,
supondo que possa ser uma pista.
E como ele, sentado no café em frente,
empurra o copo, sopra um suspiro
tão longe como isto. Pousa o livro
que finge ler, e limpa o grito
como o cano de uma espingarda.

Um vento mal dormido virá por aí
levantando folhas a tentar explicar-se
nuns modos exaltados. E então, que foi?
Diz que viu um vestido nos bosques,
pendurado no galho de uma árvore
quase deitada. E nós, um para o outro,
encolhendo os ombros, sem esconder
a alegria, pois precisamos de alguém
que o faça por nós. Sacrifica-se
uma jovem mulher para que os velhos
meio dissolvidos entre torsos mutilados
nos jardins se sonhem detectives.

O que te descrevi demora, podem
passar-se dias. As flores habituaram-se
a crescer de ouvido nos muros.
Vem, senta-te. Por aqui
distraímo-nos com velhos jornais,
as notícias de regiões longínquas
em que se misturam tempestades,
cetáceos arrojados às praias e feitiçarias.

Vê como faz o miúdo: anota, tira medidas,
põe de lado no mesmo diário
onde vai enterrando velhos ossos.
Traz há meses os rascunhos, mapas,
a tese central do seu primeiro conto.
Dita-o baixinho ao colibri que,
na estória, vai dar de comer ao dragão.

Assim estamos, e passam-se melhor
estes dias curtos em que, pelo fim da tarde,
se soprares na direcção do sol,
a luz já treme toda. A porta da noite
deixaram-na aberta, e o desejo dá pena,
este que ficou para o fim, a colar cacos,
oferecer lume à memória.
Repletos de pulgas, baratas e percevejos
nos interstícios de coçados gibões dourados,
retomamos a navegação de costas
sobre a erva, bebendo o intervalo entre
as estrelas e o pingo ocioso dessa gota de
água filtrada por um velho cântaro.

Nisto, partilhamos a admiração pelo puto
que tomou dos pardais a entoação,
a velocidade, o seu conhecimento
da floresta, que aqui há dias, com a fisga,
abateu um cometa. Foi cair ileso,
aí mesmo, onde há anos nos doía
o vazio da imaginação.

Os meses custam, noites avariadas
de um dormir sem dormir...
Andar tinha-nos curado um pouco,
ir por esses lugares de que os que se matam
acabam íntimos – a parte velha
da cidade, certas zonas despegando-se,
mas basta ver o êxtase que foi
a passagem de um piano, aos tropeços
nestas ruas, doce como um concerto para gatos
que a lua conduzia. Agora um crime,
uma jovem soltando o último fôlego
nos nossos braços... Perdoem-nos
o prazer de uma última imoralidade.


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