quarta-feira, novembro 15, 2017


Há semana e meia saltando de sonhos
em movimento para rabiscar umas frases,
um xis no mapa,
a direcção para o ouro,
e às tantas já não passo,
fico deste lado, de mãos nos joelhos,
a soprar os meus moinhos,
coisas absortas e sonolentas,
livros, papéis, fortificações ridículas.

Apago e acendo a luz, continuo só.

No abafo da fadiga vejo crescerem
musgos e bolores brilhando
na penumbra.
Movimentos no fundo,
ausências cada vez mais familiares.

A sombra deu em doida,
escangalha-me os relógios,
alimenta-se das tripas e agoniza
pelos cantos,
dorme com o teu vestido.

À cabeceira, enfiado numa caixa de fósforos,
um bicho afina para mim
a melodia do mundo,
dá-me corda, um ritmo, esse nó-corredio
que me desce ao poço.

Na caixa, deixo uma nesga
para que olhe comigo o tecto
e onde lhe deito as moscas
que me mordem.

Desvio as cortinas, longe
ouço vibrar uma tempestade.
Um cão de guarda às miragens ladra
alinhando o horizonte,
anima-me, faz-me descer
para a ideia de andar doce por aí
a roubar as tardes,
os bolsos largando nêsperas
e a luz desassossegando o reino.

Se chove,
a chuva enche as flores
deixa-as tombar largando
esse perfume de dilúvio
pelos declives açucarados
que levam aos espaços de recreio,

fontes, chafarizes,
as estátuas segurando a corda da roupa
e da pardalada,
junto com o mobiliário abandonado
de que o jardim se apropriou.

Um sofá de pulgas
e um televisor com o ecrã arrancado
ao pontapé, enquadra um plano soberbo
deste fim de tarde.

Ando mais devagar, encho a rua
de solidão,

vejo-a descer, retocando-se –
a noite, mulata endiabrada
trocando beijos.
Vou no encalço,
sigo os meus sonâmbulos
para os lados do seja-o-que-deus-quiser.

Pus baixinho o coração, frio,
noite inteira a ouvir uma e outra vez
as mesmas histórias,
por favor a um mundo acabado.

Virando as páginas ao jornalzinho
da eternidade, tirei uns versos,
o pouco de realidade e esta sensação
de permanência que nos faz ganhar raízes,
ancorar nestes lugares infectos
até ao gole radioso.

O barulho do fósforo rasgou um
suspiro à luz vesga que nos ilustra.
Colagens, cigarros, vastas pausas
na moleza de gestos sem osso,
rodando o copo –
pequeno coreto onde dançam
para essas canções redondas que o peito geme,
cansados, trôpegos reflexos.

Então,
metem-se-nos ao caminho
umas tipas sem rosto
adivinhando a nossa sorte,
facilitando o azar.

Demorou mas saí
oferecendo explicações à paisagem,
fundos de ruas malcheirosas,
ecos sem saída,
flores aos ombros umas das outras
nesses canteiros
onde o que mais bebem é mijo.
Como elas, sou levado em ombros.
Os meus fantasmas todos cantando.

Como explico isto,
a alegria de ir pela vida fugido,
fazer parte do coro
mijando às portas da alvorada.

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