terça-feira, outubro 24, 2017


«Garrafa de cerveja no pedestal da estátua!
Isto Fritz, é a era, o hoje frente ao passado:
Contemporâneo». E a paixão permanece.
Em vez de acções, aromas. Quartos, em vez de crónicas. 
Ezra Pound

Há um sino que se alonga,
se espreguiça,
alargando a hora em que deixas o quarto,
sais a raspar a pele húmida de sono,
o corpo contra os ângulos
mais salientes.
Passos que avançam em meandros de chuva,
ruas líquidas
ao sabor de luzes distantes.

O vento arrasta desde tempos
sérios, antigos,
ordens enrouquecidas.
Belisca, deixa-te em sentido.
Por cima, um bando
de estrelas vão apostando entre si
que caminho levas hoje.

Como uma rima perdida,
tens à perna o cão do acaso,
que te salva o traçado
alçando a pata em cada esquina.

E aí tens a esplanada-café-bar-buraco
onde leste noites e noites,
deste alimento à rosa
desse pensamento decaído e infecto.
Nem vermelha, nem
branca,
uma cor intermédia a tudo.

Quietos, revistados
de cima a baixo,
é com gosto que nos deixamos roubar.
Uma canção que nos vira os bolsos
e dos trocos
vai juntando um corpo.

Estranho lucro que tiramos
repetindo furiosamente os mesmos lugares,
noite após noite, quase gemendo
de solidão.

Sob a teatral e débil iluminação,
uma gente ilustrada
perde-se no fundo.
Flores de fumaça,
ecos inquietantes, moscas 
levando notícias.
Histeria, confissões de trincheira.
Restos do dia.

Aladas-de-horror,
reúnem-se as personagens de uma só fala,
estudando mil intenções possíveis,
a projecção de voz, um jeito
de roubar a cena
com esses farrapos de frases,
gestos sem sequência,
o sorriso pisado de quem delira mais
do que acredita.

A uns passos, um jardim fantasma
onde atracam navios
dos portos mais improváveis.
Sol e lua misturados numa agulha,
uma gota de infinito
aos tropeços no sangue.
Galáxias desaguando devagarinho,
adoçando-o.
E as pulsações seguintes:
fracas, doces...
Nem a respiração se defende.
A certa altura deixas até de dar por ti.

Tudo em volta cresce de tom
e escuta-se o toque impreciso
que desperta a flor-farol
dos que aqui estamos à espera
da aurora
e da próxima aurora,
juntando noites suficientes
para o romper de um novo dia.



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