quinta-feira, dezembro 01, 2016

Rui Manuel Amaral / «Notas sobre "Lançamento": Diana»


Em “Diana”, um dos poemas mais bonitos de “Lançamento”, Margarida Vale de Gato cita o que a grande poeta Marianne Moore dizia da poesia: “Eu cá também não gosto, há mais coisas além deste desconchavo.” Alguns versos depois: “Mais importa observar ou designar?” Portanto - isto sou eu agora a dizer -, é mais importante a vida ou a poesia? A realidade ou a imaginação? Os acontecimentos ou a memória que formamos a partir deles? Apetece colocar aspas em todas estas palavras como se fossem asas para levantarem voo. Porque não há apenas “vida” ou apenas “poesia”, as duas coisas são a mesma. A mesma coisa contraditória, inexplicável, bela e monstruosa. Não é possível escolher entre a vida e a poesia, nenhuma das duas é mais ou menos importante. Mais à frente ainda: “Portanto sirvo mal, sou outra, fora/ do baralho, turista aqui em tanto/ do que me dá prazer e algum trabalho.” E a razão de tudo isto, de toda esta impossibilidade, reside na mais prosaica das causas: a morte. Diante da morte, nada nos salva, tudo se torna insignificante. “Se insisto/ à minha pouca escala nisto eu/ é porque não desligo e toco e falho/ no material à vista, língua/ crua clara em bruto céu.” A poesia não salva, nada resolve, será sempre um falhanço, mas é também uma forma poderosa de enganar um pouco a morte.

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Não se trata de uma qualquer espécie de fé, quer dizer, de acreditar que a poesia pode ajudar a dar um sentido ao mundo. Estamos condenados a não ir além do meio do caminho. Mas a imaginação e a poesia são o que nos resta, com elas somos capazes de dar nomes às coisas. Dar nomes às coisas é a nossa maneira de olhar no escuro, ver debaixo de água turva. É a nossa maneira de perceber a morte. 

- Rui Manuel Amaral


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