quarta-feira, novembro 09, 2016


Porque beijavas a sombra dos cães
esses que nos seguem até perdermos
a luz à ombreira da noite
nunca conheci alguém que beijasse
a sombra dos cães assim no chão como andam
e cobrias os olhos e as pernas
com uma pele muito fina de fígado
é uma gaita isto para começar a
peripécia de um conhecimento
o valor de um ou outro pormenor –
eras a agregação dos versos
escrevias longos silêncios
nas tuas paredes de ardósia e a giz
o nome da tarde e dos bichos
que não morreram no mar –
porque tens dias nobres como se fosses
uma ponte entre as noites em escarpa
onde caem as palavras invisíveis –
desgraçadamente não haverá braço
nem corda que chegue ao fundo –
é difícil ter duas mãos da cor dos abismos
um corpo assim é dado como morto –
e é uma estopada isso de ter
como desgosto e castigo diários morada
à beira de declives perigosos de que não se
conhece o fundo as horas todas:
não se demoram aí os pássaros que cruzam.

- António Amaral Tavares 
inédito

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