sábado, outubro 29, 2016


Ser cego ao meio-dia para ouvi-las
rendilhar a brisa no jeito
como dos lençóis lavam a mancha
dos sonhos. A roupa sossegada no muro
arde ao fogo lento das hortênsias.
Estampas japonesas, o bosque
atravessa-te o vestido na corda, amor,
como todos, tido e inventado.

Música de ervas e as cigarras
nos ouvidos das árvores, o vento
vinha a fraquejar, armado
dos dentes de leão, aparas de asas.
Um tremor nos lábios e o campo
meditando. Versos intuídos
de sons tão longe da vida,
escritos de leve no seu avesso.
Fruto mais alto do silêncio,
se a esta hora caísse, a noite abater-se-ía
profunda como um susto.

Vais passando e passando
febril de tão atento,
graves caminhos que te levam a sombra
meio enterrada, contra um fundo
sem vento, lento, reflectindo.
Fazes vozes para ir acompanhado,
trocas os olhos por pedras nos bolsos,
como se pudesses lançá-los cheios
de um manso encanto luminoso
.

Ter um medo esperto, que sabe
como demasiadas coisas são verdade,
e só falta às vezes a coragem
de ir até ao fim. Um poder
como outros, caminhar com estrondo
sobre os passos de outros, ter histórias
e saber por que as velhas lendas
moviam mais sombra.
Ouvir o que à noite foi dito
em estradas começadas há muito
por confessores de brisas, esses
que de tantas passagens levaram
em odres, ao pescoço, o ribeiro.
Estas aragens soam como cartas
ditadas, vidas de pé e que se lêem
de tão murmuradas,
erguendo da terra silvos e antigos passos
a que estas estrelas deram um rumo
para lá do último horizonte.


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