terça-feira, outubro 18, 2016


Luis Julio Rosamarga, em Silbar contra el aire y otros ensayos interesados. (Buenos Aires, 2010) 
Tradução e cortes de Miguel Filipe Mochila

O modernismo chutou em futuras veias um tóxico brutal: a originalidade, já o sabemos, ensandeceu meio mundo, e o outro meio andou a exibir atrapalhado um conjunto aberrante das máscaras alheias, que volta e meia caindo troavam em risada geral, pois o tempo dos Autores só poderia converter-se no fétido festim dos Epígonos.

O pavor da inércia retirou peso orbital à expressão literária, vaporizada numa demanda do irrepetido e irrepetível contra a ideia do palimpsesto – da malha viva do remendo – que era a própria história da literatura. O fantasma do novo perseguiu um a um, e perdeu-os, criadores parricidas, arrepiando caminho rumo à libertação, a tão-almejada. (…) a libertação em si mesma é inócua, porquanto se conserve no horizonte de um desidério movido à vertiginosa sede da bravura, mas se conquistada, se faz do dogma apenas uma dormência flácida, então a libertação é verdadeiramente apocalíptica (…) e culminará - finalmente - na tão prometida morte da literatura.

O grande erro da modernidade foi ter esticado a corda do modernismo. O seu ensejo de absoluta liberdade expressiva constituiu o apocalipse da era crítica. (…) [É certo] que tudo isto radica num erro grosseiro de lógica elementar. O contemporâneo celebra o pachorrento e bocejante vale-tudo da morte da poética (…) e os gritos de ordem contra críticos e autores pseudo-conflituantes não são senão elementar psicologia barata, exercício de hipercorrecção de uma vergonhosa hipocrisia histórica: todos se regozijam de uma independência privada de complemento. Uma independência de tudo e, como tal, de nada.

Os pontuais gritos a lembrar a urgência da crítica soam a esganiçado anacronismo, são só o fogo-de-artifício arrefecido da má-consciência contemporânea: a crítica não tem lugar no território da liberdade (…) e tudo isto por um erro grosseiro de interpretação, pois a rebelião do modernismo era, na sua essência crítica, (…) o modernismo formou a crítica mais forte e impactante de todos os tempos, e tanto assim foi que fundaram uma era crítica para o literário: a modernidade.

(…) Eram eles [os autores] os próprios críticos, e a sua rebelião contra os academismos, a sua defesa de autonomia do literário dispôs-se sempre em torno do peso das várias poéticas que perfilhavam, desafinando quase sempre entre si, mas afinando na afirmação de uma vontade e de um papel atribuível à literatura. Vasculhando jornais, inquéritos, manifestos, programas, imediatamente nos apercebemos da vocação crítica da literatura moderna.

[O erro] consistiu em cuidarmos que era contra a crítica que o modernismo se rebelava, quando arremessava antes contra o crítico profissional, o professor de literatura, contra a retórica, em suma.

O maior engodo do pós-modernismo é a sua política da leviandade. Matou o aparato crítico que dá corpo à própria existência da literatura. Hoje a única rebelião necessária seria a rebelião da crítica.

Esperar (…) que sejam a universidade ou o jornal a trilhar esse caminho, se supomos poder deixá-los reconquistar peso para a arte em geral, tamanho desapontamento colheremos (…) não há um único crítico que tenha acrescentado uma linha à história da literatura, como é da própria natureza das coisas. É existencial: ou vais ou não vais. O crítico quando vai erra o comboio. Calha-lhe em sorte sempre a greve do dia, e por essa altura já o poeta fez o reconhecimento à linha, botou carvão, eclodiu com o seu sopro o avanço da rotação da terra, decidiu de que tons se revestirá a manhã.

A rebelião crítica a que me refiro tem de ser forçosamente uma rebelião poética.

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