quarta-feira, junho 15, 2016


Falou-se e fala-se muito de poesia para lhe garantir o valor de capital simbólico cuja circulação contribui para o reforço de uma ideologia, quer através da sua identificação com determinados significados, quer através da sua absolutização, rodeando-a de dogmas e de rituais de sujeição. Hoje, qualquer poema pode servir para reforçar a ideologia da cultura, o que importa é que se fale dele no sítio certo – a editora certa, o jornal certo, o programa certo... Há uma tendência crescente para usar a poesia como ornamento do poder económico e político e para identificar esse uso com a própria cultura, o que só pode contribuir para iludir os verdadeiros problemas desta – aqueles que dizem respeito à disponibilidade para aceitar as diferenças (o contrário de toda a codificação rígida) e para participar do movimento diferenciador implicado na temporalidade não determinista.
Falar de um poema como de um objecto apropriável, algo que se pode receber sem que o objecto recebido ponha em causa o sujeito que recebe, só pode contribuir para reforçar no público (os grandes números da estatística) um sentimento de participação na cultura que exacerba os mecanismos de subjugação e competição (...)

- Silvina Rodrigues Lopes 
(in Literatura, Defesa do Atrito) 

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