terça-feira, maio 24, 2016

Inês Fonseca Santos e a cartelização da poesia



Vai ser assim por muito tempo. A conversa de roda da poesia, dos novos poetas (?), vai descer até não haver mais queda possível. Uma gente que vive a respiração assistida da breve atenção que soma, levada pela força desgastante dos hábitos, da mais pobre reciprocidade, gente-tropeçante-de-ternura, caindo uns pelos outros abaixo, caídos aos montes por todo o lado, a assenhorearem-se de todos os recantos, provocando uma diabetes mental, transformando cada página de atenção em mais uma extensão do salão de chá, apenas a água suja das coisas, um eco retardado do momento inspirador, e os que não precisam, não se sentem parte, os que não querem, a tropeçar mesmo assim por não haver volta a dar, a sair pelo outro lado de um tempo servido frio, funcionário, em que no lugar da coisa vem a sua versão miniaturizada, esta sombra afectiva que lhe ocupa o lugar. Correntes de favores, legos de egos, castelinhos embevecidos para efeitos decorativos. Escrevem sempre com a desculpa da bóia, do salva-vidas, confessam a perda e insistem nela, vidas que se querem o mais públicas possível e tão sem gosto para não provocar o menor arrepio, vidas que sabem a sequências de números. Em vez da poesia fica esta delicadeza que adia a vida, que, em sua homenagem, lhe põe a almofada sobre a boca e a adormece pela asfixia.

Que isto não é sério, dizem em vossa defesa, que não tem toda essa importância ou sequer consequência, garantem enquanto patrocinam com o like, mas vamos ver quando aqueles que vos sucederem derem mais passos no mesmo sentido, forem mais longe neste vício sem nenhuma vertigem, redundando circularmente, vamos ver o que dizem quando não se puder respirar, e o tecto ficar tão baixo que já um tipo não se possa nem pôr de pé, quando a ira for multada, quando qualquer palavra contra a piroseira enjoativa que tomou conta de tudo fizer de ti ou de ti um simples inimputável, alguém que não merece a palavra, e venham depois queixar-se do mundo lá fora, falem-me do capitalismo e outras merdas mais cósmicas e sofisticadas, não meçam os passos em volta, não repitam que isto está tudo ligado, que começa aqui, no um para um, nessa distância que se diz que é a mais curta entre duas pessoas. Ainda é a poesia, certo?

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