não sei
se tenho inimigos não sei
onde se escondem
os meus inimigos não sei
quem são os meus inimigos
o que deles herdei
pois serei carne da carne do mundo
dos meus inimigos, planta nas areias
dos meus inimigos, regado pelos céus
dos meus inimigos, e os ventos
dos meus inimigos são os meus
contemporâneos e antepassados
com eles rocei ombros em carruagens
na tenra idade e no sono e a caminho
em casa abandonada, a puxar luz aos olhos
esses comércios enfim contrabandos
*
Que sinais deixar na porta
para afugentar anjos e cobradores?
Já fiz o meu êxodo.
Então rodeio-me de trincheiras.
*
Que nem os pássaros a cair à nossa frente
Nem o grão de pó, nem a hora do almoço
Nem a quinquilharia do nosso passado
São neutrais na guerra dos mundos
qual que não vejo
repara
para chegares a casa terás
de atravessar exércitos
e a manhã não te traz
serenidade nem prodígios
por detrás da luz
e a promessa de minas d’oiro
é uma declaração de guerra
é que a serenidade é
uma declaração de guerra
embora
os bombeiros partam as portas de graça
e alguém da água faça chá, te leve ao jardim
ainda assim as urtigas são talvez
uma declaração de guerra
não sei
é incessante isto
- Miguel Cardoso
(excerto, inédito)
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