quarta-feira, abril 06, 2016


não sei
se tenho inimigos não sei
onde se escondem
os meus inimigos não sei
quem são os meus inimigos
o que deles herdei

pois serei carne da carne do mundo
dos meus inimigos, planta nas areias
dos meus inimigos, regado pelos céus
dos meus inimigos, e os ventos
dos meus inimigos são os meus

contemporâneos e antepassados

com eles rocei ombros em carruagens
na tenra idade e no sono e a caminho

em casa abandonada, a puxar luz aos olhos

esses comércios enfim contrabandos

*

Que sinais deixar na porta
para afugentar anjos e cobradores?

Já fiz o meu êxodo.

Então rodeio-me de trincheiras.

*

Que nem os pássaros a cair à nossa frente
Nem o grão de pó, nem a hora do almoço
Nem a quinquilharia do nosso passado
São neutrais na guerra dos mundos

qual que não vejo

repara

para chegares a casa terás
de atravessar exércitos
e a manhã não te traz
serenidade nem prodígios
por detrás da luz

e a promessa de minas d’oiro
é uma declaração de guerra

é que a serenidade é
uma declaração de guerra

embora
os bombeiros partam as portas de graça
e alguém da água faça chá, te leve ao jardim
ainda assim as urtigas são talvez
uma declaração de guerra

não sei

é incessante isto

- Miguel Cardoso 
(excerto, inédito)

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