Graves misérias tenho que não posso
avisar a cidade
que não tropece nos escombros,
nas vitrines,
e nos passos em falso.
Minha miséria maior atou‑me as pernas
à cadeira celeste.
Apoderou‑se da língua a menor
e ratou‑a à raiz.
Os olhos — falar deles nem vale… —
foram chupados por papalvos
— queria dizer corvos, é antigo,
tem cemitério, cadafalsos…
Restam‑me os braços — esses
paralisados
por baixo do pulso
por ordem do imperador polichinelo
que vende avulso.
Amor ainda faço quando posso
de mês em vez, e aos domingos,
graças à inserção frontal — afinal vale… —
do olho de Adónis, o maligno.
Avisem a cidade, por favor.
Dêem a morada pelo telefone.
Eu não aguento mais e corro perigo.
Morro de fome.
- Ruy Cinatti
in Conversa de Rotina, Sociedade de Expansão Cultural, 1973
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