domingo, novembro 01, 2015


Levei tempo, perdi-o talvez
por ruas envenenadas, mas serviu-me bem
e hoje os passos nocturnos de então
chegam descalços ao amanhecer.
O que sei agora é que não há atalhos,
nem uma migalha de realidade nem
um só passo que possa levar a qualquer coisa.

Sei que o que há a perder somos nós,
as ilusões que nos lançaram no caminho.
Fica a sensação de que não voltará
a anoitecer como dantes.
A claridade abre-se como um
murmúrio que aumenta. Descobre
o murete, a ponte de pedra, as flores
azuis – ruínas de que período?
Caminhamos a seu lado, passam os
anos e o que tomba somos nós.

O vento preso a uma suave e antiga
toada traz ainda quem envelheça
a estes rudes jardins que, soltos,
buscam um segundo fôlego.
Ocupam os bancos, descem o olhar
e tomam-no pela presa que a esta hora
as formigas devoram com a
ajuda do sol. Perdoa-me a tristeza.
Já encontrei as coisas assim.
Enfim aqui estou de pé.
Passei por ali. Alguém passa por lá agora.
Como eu, sem saber onde vai.

Por vezes, de tão frágil, não acendemos
um cigarro sem pedir-lhe que não
nos misture, nos dê cabo dos sentidos.
Sabes o que é? Quebra-se-te a sombra
só de respirares.

Tens a voz cercada, o mundo
incontornável. E ainda insistes.
Escreves com a chuva, num ritmo
mordido. Meses de sombras a
jogar cartas até que, enfim,
um verso vivo, aberta de um golpe
a passagem, funda,
furiosa razão de que tão poucos
gozam. Regressa de longe a brisa dos
mais secretos corredores
. Atrás de cada porta
um soluço bestial, a luz aflita que passa
por baixo, empurra a aurora
da estrela amarrada lá dentro.
Doce zumbido, surdo som obscuro
que se ouve, do coração quase parado
.
Roubas esse pulsante encanto,
nas veias um fragor de batalha,
de morte vencida.
Um susto fica para trás recosendo
as suas bonecas. E há uma parte de nós
que se escapa, que se salva disto,
e outra que fica, uma parte que
tomba, que não mais se ergue.
Esse conhecimento
é o alto preço que se paga.


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