sábado, outubro 17, 2015

Tentação do Pior


Arrependo-me da sordidez. De todas as tristezas também essa me comove, num excesso que me converte, faz de mim outra besta no jogo de dar horas desta máquina. Esta vigilância aflita, vil. Arrependo-me afinal de mais coisas do que a pequena conta que levo ao orgulho, esse prato de côdeas ensopadas no próprio sangue na ridícula tentativa de amolecer a tarefa para o cão sem dentes desta sensibilidade, virando a lata do abismo em busca de um sentido para o seu fim de rua, este país de restos de palavras, como já foi dito, atamancado de pobres razões, fracos juízos e ainda piores motivos. À ultima hora quis riscar uma das minhas vilezas. Já era tarde. Dizem-te que deves manter-te fiel à tua verdade, mas a mentira dá-te a única saída, o corte com o esquema de retaliação em cadeia. Uma mentira elevada, admirável, e não a que é conduzida pelo baixo sentido moral da piedade. Porque a mentira, se busca a fuga, torna-se a única dignidade que nos resta. Mais que qualquer súplica face à realidade que se tornou insuportável, foi sempre necessária uma suspensão da descrença, no mundo, nos outros e em nós. A própria fé é uma disciplina sobre o delírio. Deliramos de mãos dadas, em comunidades. Agarramo-nos a valores supra-terrenos para não nos afundarmos na exacta e comprovável ciência contabilística do ódio. Não perdoamos para o bem do outro, mas para o nosso próprio bem. Se damos troco, do cão com que entrámos na arena podemos, com um esforço desumano, fazer um lobo, mas o mais certo é que tenhamos contribuído com outro porco para a imensa vara.

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