segunda-feira, agosto 24, 2015
Das infusões nebulosas que me servia,
ia aflito depois mijando pelos caminhos
o que parecia um chá...
Música lenta de ervas e flores
sedentas enquanto o vento estendia a distância,
interpretando-lhe as queixas.
Voltar a casa pelo
cheiro erradio das figueiras, somava
passos como se reza, inventa, trabalha, apura,
se leva uma paisagem na boca.
Quanto tempo até que o perfume
lhe entrasse nos versos?
Ajuizado sacrifício, este fracasso
que me serve perfeitamente de ambição.
O que contribua para uma velhice fragrante
pastoreando ritmos, pétalas e ruínas,
conchas, nuvens.
As coisas que oiço, que me passam
diante dos olhos, mal me dão
o tempo de as separar,
como se preferisse lê-las, tê-las escrito
uma por uma. Governá-las.
Isto. Escrever algo aonde regressar.
Como explico a insistência? Que luz
foste capaz de segurar contra essa
que agora mesmo inventaste?
É provável que o verso medido, preciso
seja o que impõe essa lentidão à voz,
lentidão sagrada, espécie de temor
ante a beleza.
Uns olhos tão antigos,
arrasados, luz que nos serve
um sabor solitário... A possibilidade
de dispor dos anos na sua mais
comovente desordem.
Oiço uma água, pronuncio
com a memória húmida o que abrandou
o coração. Um tipo vê chegar o seu fim
e não fica por aí, chega
a ser tomado pela sensação mesma
da posteridade – cigarras que ouviu
cantar já depois da sua morte.
Oiço ainda cantar o passarito negro de mil
novecentos e cinco
do fundo do poço de um verso de Gerardo Diego,
oiço-o,
é outro e o mesmo.
Fecho os olhos,
distraído como quem se apaga, negra,
docemente. Ele leva-me à minha morte.
A noite reúne-se agora mais abstracta
com os mesmos sinais a que em tempos
pediste algo de concreto, a ilusão
do real. Os mesmos demolidos
instrumentos já sem o menor interesse
por linhas melódicas.
Enquanto a fantasia resgata o desejo,
os muito poucos que seguiram
com as suas vidas cruzam-se
só por acaso, imitando
os romanos (i.e. fumar e esperar).
Não os inquietou mais a vontade
de passarem por absolutamente
modernos. Como gente de todos
os tempos, ocupam-se de olhar isto,
aquilo. Uma preferência
por mulheres bonitas, alguma mesmo
bela. Sobretudo loiras,
pré-rafaelitas um tanto desbotadas.
Vagos apreciadores de arte
num museu semovente,
até que as luzes terrenas se apaguem.
Parecem dois astrónomos depois,
lendo no firmamento os velhos romances,
estrelas que conhecem como passagens
que os fixaram furiosamente,
histórias que escutamos certo dia
e nos inventam outra infância.
Afinal, a memória é uma sombra.
Qualquer luz a ameaça. Mais longe ou
perto, pode até
lançá-la noutra direcção.
Assim, se os dias que restam não nos trazem
mais que anúncios de extinção,
deixa uma luz acesa. Aprenderá a abrir
caminho sobre o passado para, desta vez,
tomar a vida à força.
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