terça-feira, julho 14, 2015

Vésperas


A idade traz-me as metáforas do perigo
e também as suas regras
no desastre.
Vejo chegar a noite e com ela um poema do Eugénio,
magríssimo cauteloso, cioso das suas sílabas
e da cal apagada junto à boca.

Agarro o seu silêncio
que se deixa cair perto do mar.
As rochas do outono estendem as mãos grossas
para me alcançarem o corpo.
Mas o meu tempo é cada vez mais frágil
e entre o vento e a chuva uma pequena luz parece
que germina.

Sem a claridade dos pássaros o poema não voa,
no chão a palavra rasteja na secura
da tarde abandonada.
São os olhos da terra que mais doem, a erva amarga,
e cantar ao crepúsculo passa a ser uma cegueira,
a bem dizer, um crime.

- Armando Silva Carvalho 
in A Sombra do Mar, Assírio & Alvim

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