sábado, junho 06, 2015

Roma, cidade aberta


Um dia de Março, as árvores despidas ainda, simples árvores pacientemente
aguardando o calor verde das folhas,
igrejas cobertas de pó, vermelhão, ocre, siena, e bordô,
largas manchas de canela.
Porque é que deixámos de falar?
Na feira do Palácio Barberini, Narciso demora-se sobre o seu rosto,
sem vida.
Castanha cidade repetindo incessantemente: mi dispiace.
Castanha cidade, invadida por exaustos deuses gregos
como funcionários de escritório da província.
Hoje quero olhar os teus olhos sem me enfurecer.
Castanha cidade, crescendo nas colinas.
Os poemas são curtas tragédias, portáteis, como rádios a pilhas.
Paulo estendeu-se no chão, é noite, uma tocha, o cheiro do campo.
Impacientes olhares nos cafés, alguém grita, uma pequena quantia em moedas
fica sobre a mesa,
Porquê? Porque não?
O rugido de carros e scooters, o burburinho das coisas.
A poesia certas vezes desaparece, deixando apenas fósforos ardidos.
As crianças correm sobre o Tibre em curiosas batas escolares
do início do século:
perto, câmaras e holofotes. Estão a correr para um filme, não para ti.
David sente vergonha de ter morto Golias.
Perdoa o meu silêncio. Perdoa o teu silêncio.
Cidade cheia de estátuas; só a fonte canta.
Falta pouco para as férias, quando os pagãos vão à igreja.
Via Giulia: as magnólias guardam o seu segredo.
Umj momento de luz custa apenas quinhentas liras, que atiras
para uma caixa negra.
Podemos encontrar-nos na Piazz Navona, se quiseres.
Mateus não deixa de se questionar: fui realmente
convocado para me tornar humano?


- Adam Zagajewski
in Eternal Enemies

Sem comentários: