segunda-feira, junho 01, 2015

Il bene è l’infrazione, il male è norma
nella nostra esistenza.

Vincenzo Cardarelli

Dependurados, caídos, acordamos sempre
estranhos, como quem dormiu ao relento,
pasto de estrelas, e demora mais a fazer
a infeliz conta. À volta, coisas longínquas,
mordo o reflexo na maçã, sabor que diz
à carne o que apodreceu. Pesado e medido
aqui há dias pelo mais extremo e o raio,
o que me tocou do derradeiro fôlego,
da ira senil que no fim traía o bardo?
(Nunca ninguém te escondeu aquilo
que os deuses se ofendem, lá nas alturas.)
Pobre génio obcecado, deu mais norte
ao sul que busco. Todos os dias,
algo diferente, dar corpo a outro erro,
nome também, para que um não se acabe
à sombra disto ou de outro vício absurdo.
No lugar de outra palavra, um passo, mas um
cheio desse cansaço maravilhoso, supremo,
como uma serenidade – o último orgulho
de um homem –, escutando as distâncias,
apanhando-as. Caroços de violino, dentes
dos grandes, a roupa usada pelas silvas,
um hálito imenso, uma outra idade.
O que da infância a colher susteve,
como um gesto para explicar a boca.
Curiosidade desatenta, um interesse
por outra gente. A mesa que segura
o canto de um café onde venham e falem
como no sono, façam a vida parecer algo
menos ordinária por uma hora ou duas.
Aprender a dispor da luz num poema
para estudantes de arquitectura, revendo
lições de intimidade. Perceber por que
a noite vê mais que o dia, como no vidro
dos corpos cada um escolhe e protege
o seu reflexo. E nada tem de acontecer.
Alguém já se contenta, dedo na boca, rindo.
O resto tu podes imaginar. Fábula generosa que
nos deixa à vontade, fazendo de umas poucas
ruas de encanto duvidoso o que Kavafis
fez de Alexandria. Febre dos lugares cegos,
pura espera: com tempo, toda a fome
nos ensina como matá-la. Foi fácil
alguma vez? Para mim foi. Tinha outras
armas, outra inocência. Tenho a certeza hoje
que viemos buscar aqui coisas diferentes.
Entendo-me com o silêncio e a eterna
demora. Não quis o inferno na gaiola
e à janela, para assustar ou comover a
vizinhança. Prefiro o passo à palavra,
e ter-me perdido, agarrado um erro,
estúpido e doce, grosseiro do seu bem,
sua escusada graça, como uma doida
bendição entre estes talentos.
Ficai, senhores, com o outro mundo,
eu sirvo-me deste.

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