domingo, abril 12, 2015


Gerações têm caminhado, quanto elas têm caminhado!
Tudo tem manchas de homem, partilha cheiro de homem,
O solo está desnudo, mas pés calçados não o sentem


Gerard Manley Hopkins


A lâmpada fraqueja e dá o caminho,
uma atenção endoidecida sobre
os detalhes que a insónia tanto
mastigou. Rompe, logo, esfomeada
a claridade arrastando atrás de si a
brusca narração que tudo empalidece.
Corpulenta manhã que põe a merda
de uns pássaros em sítios altos e cala
o murmúrio dos corredores. O quarto
desmoronado, folhas a meio de um gesto,
um soluço no copo – a mosca que,
antes de se afogar, ainda dança na água
para desenhar o estertor num silêncio
que esqueceu o que implorava.

Fiz tempo com uma gente melhor,
seres removidos, lustrais. Dessa luz
escura criou-se a mesa, flutuando
sobre a corrente, e um leme, rude
lume sobre um velho mapa celeste.
Copiar tornou-se-me, de há uns anos,
uma obsessão: o recorte de sinais só,
o tumulto primeiro, aos poucos
a sua persuasão. Do vício inerente
às coisas que li, dei comigo feito um
possesso e até, mais tarde, um danado.
Avistei o Tigre, sigo-lhe o rastro quente
entre gritos e névoas. Extenuado, rouco,
sinto cada artéria abreviar a sua rota,
o próprio sangue em bicos dos pés.

E se já não escrevo, porque antes filmo,
documento e sei de uma certeza acidental
as coisas, por aproximação. Feras em sequência,
reflexos, perseguidas sob um sol negro. Vocífera
mão que me faz as medidas, a estratégia,
o cerco. Este corpo no seu avanço
indigesto, feito de palavras imprecisas
e rituais, como um louco vulgar dizendo
o inferno aos balcões. Estranho virado
em sonhos, um outro nome por que
me chamam. E o que nos chamam?
Educados maus modos que lhes servem
de razão. Uma volta sem saída, que não
começou nem acabará connosco.
Tenhamos tempo. Não será hoje mas,
olhando melhor, ontem, por um acaso
medonho, lá estava. Falaremos disso
mais tarde. Por agora, no lado da casa
que canta, faz-se um perfume de cuidados,
folhas de chá esvaindo-se, o sabão de ervas,
a luminescência de um verso tocado
pelos sons de uma mulher no banho.
A tarde é prometida a uma sinfonia,
mas isso fica do outro lado da casa.
Deste, os segredos estão cansados.
A hora é dos turistas, há que esperar
que se fartem como se fartam de tudo.
Voltemos assim que a noite os vença.

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