segunda-feira, janeiro 05, 2015


Quando o sangue canta nas veias,
já podem passar a página...


Josep Pla

A uma altura destas, tão tarde que,
estranho, volta a ser cedo, não peças
mais dela, diz-me simples só
que um corpo existe, e vem flanela
e saco, sacudido e sonâmbulo, barba
de bruto nuns tratos de mel e sal,
puxando o gemido das correntes,
umas forças estragadas de vento
para os pulmões magoados, que tudo
começa a respirar mal. Hora deles,
quartos negros abertos, pente e
sabonete no bolso para o duche das ruas,
algum trovão batendo a treva e o silêncio,
depois, doce de tão amassado. Corda de
um mundo lento, de pantanas tudo,
esse território imenso por onde
um perfume enevoado e além
o velho campo de futebol onde a urze
vence muitos a zero. Que cidade faz
isto, faz da sua gente uma espécie
minuciosa? Tudo do lado de dentro e,
fora, essas mesas a soluçar. Flor nenhuma,
Cafés, um ambiente geral reconfortante,
mas tudo mau, lugares detestáveis.
Vinhos e uma cambada de luas soltas,
ali recato, no comovido baloiço penumbroso
fumando siderado, soltando Ós, o pequeno
rebanho das divinações. Isso porque,
com os outros e estes dias, é inútil falar.
Já as frases surgem mortas, inertes,
como nos sonhos...
O entendimento
fica para depois, passado à máquina
o relatório, alguém logo virá ou não ler.
Sujo de vagueios, seguro por muito
pouco, abre mão, deita o jogo,
a paciência, e o canhenho de lado para
as vozes vindas do caminho das urtigas.
Música assim que possa, arrancada
às campainhas, prédios, bairros de
alvoroço. A anotação do que mais vier,
desenvolto, para apanhá-las (às impressões)
onde o ar quebra. Poesia uma porra
quando há formas, até nuvens aí que
a imaginação não moldou nem montou.
É bastante a confusão. Fim, ficou certo
tudo, de um jeito ou do outro, falta é
um calor no sangue antes que passe
outra página. Ou dê pela passagem
de algum corpo e da pequena luz em
que se esforça outra leitura do mundo.

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