quinta-feira, dezembro 25, 2014


Para assinar o tiro fotográfico, que fosse uma coisa mais assim, um olhar menos estragado pelo arranjinho sistemático das cousas aperaltadas na sua redundância vazia, é preciso um olhar especulativo, capaz de fisgar a vida e derrubar-se nesse instante capturado, adivinhar o mundo antes, depois e além, a vida toda, menos real, mais sumptuosa. Mais que a cansativa composição do olhar, vale uma quase cegueira instintiva, que deixa de ver e cheira, toca, come fora do prato, fazendo das linhas uma mágica desrazão. Pouca coisa no mundo será razoável. Há castigos melhores. Mas andar de máquina abatendo qualquer coincidência é como ir pelas ruas a chupar ossos de galinha e sonhar com asas. Ninguém gosta do bom gosto. É uma educação, um mal estar que nos vem como um imposto de baixo para cima, que nos curva, corcunda, desluz. Olhos sem brilho nenhum, frios nessa fita de reflexos imediatos. Há quem se iluda com o tique do abusador registo digital, como se um ready-made, como se pudesse fulgurar sem um antes nem um depois, sem um preço a pagar, numa moeda por cunhar. O horror vem da repetição. Tentativa e tentativa, ao quadrado, sem erro. Mas se o erro é a parte vital de qualquer arte... O risco e o erro. E lá vai ela, salivante, castigar outro fôlego, reduzi-lo a mais um suspiro, assinar as suas composições como quem depõe flores num sepulcro, todos os seus lacinhos para um embrulho de morte.

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