terça-feira, agosto 05, 2014

Tristeza ou pássaro


Essa tristeza pássaro carnívoro;
a tarde presta-se à solidão corrosiva;
em vão o rio canta nos dedos ou penteia,
penteia cabelos, peixes, algum magro peito.

Essa tristeza de encorpado papel;
uma cana sustém um moinhozinho cansado;
o cor-de-rosa torna-se amarelo,
igual aos olhos sem pestanas.

O barco é longo como o futuro duma criança;
mas para quê crescer se o rio canta
a tristeza de chegar a uma água torrencial,
que não pode entender o que não é tirania.

Chegar à margem como um braço de areia,
como uma criança que cresce de repente
sentindo de súbito um pássaro sobre o ombro.
Chegar como uns lábios salobres que se gretam.

Pássaro que debica pedacinhos de sangue,
sal marinho ou rosado para um pássaro amarelo,
para esse braço longo de cera fina e doce
que se espalha na água ao derreter-se.


- Vicente Aleixandre
(tradução Luis Pignatelli)
in A Destruição ou Amor, Dom Quixote

Sem comentários: