O NOVO FASCISMO
Assistimos hoje a uma Pasolini-renaissance, que reconhece uma enorme actualidade às
reflexões críticas do poeta, cineasta e ensaísta sobre o seu tempo. Quase 40
anos após a sua morte, as análises e intervenções políticas de Pasolini parecem
ter chegado ao momento da sua legibilidade, o que mostra que estamos perante um
“homem póstumo”, um intempestivo, no sentido nietzschiano. Pasoliniana é a
ideia, que começou a irromper nalguns círculos de reflexão política virados
para uma ontologia da actualidade, de que está disseminado um “novo fascismo”
na nossa existência quotidiana. Quando hoje, em Portugal, comemoramos os 40
anos da conquista da liberdade e da democracia, todo o regozijo surge atenuado
por uma ideia difusa, uma intuição para a qual a grande maioria das pessoas
ainda não encontrou nome: a de que a liberdade e a democracia contemporâneas,
que celebramos, convivem com este novo fascismo quotidiano, muito diferente do
antigo, mas que, deste, mantém um conjunto de funções sociais que se combinam
em estruturas diferentes. Ou seja, este novo fascismo, que do ponto de vista de
um historiador parecerá um equívoco, revela-se uma categoria pertinente de um
ponto de vista genealógico e estruturalista. O novo fascismo só se revela à luz
de uma análise molecular, micropolítica, não é inerente a estruturas como o
Estado, os partidos, os sindicatos, nem necessita da supremacia de um líder, de
um Führerprinzip. O seu uso encontrou, em
primeiro lugar, um princípio de justificação na ideia de que vivemos numa
“sociedade de controle”. Tornou-se evidente que a sociedade de controle (que todos
nós sabemos hoje muito bem o que é, mesmo sem a ajuda de mediações
teórico-filosóficas) desenvolveu a
produção de bens e serviços imateriais e um modelo ético baseado na competição
e no sucesso que deu origem a um fascismo empresarial. Na relação das empresas
com os seus “colaboradores” (este novo nome para os trabalhadores vale como um
sintoma), o clima é friendly, o chefe
não é um patrão, mas um líder, e a “cultura” empresarial que se constrói é
sempre de colaboração e a-conflitual, orientada para uma “missão” e determinada
por uma “visão”. Por trás, sustentando esta “cultura”, está o medo, não o
grande medo inculcado pelo fascismo tradicional, mas os pequenos medos que o
novo fascismo gere e multiplica. A experiência do medo é o factor primeiro
deste novo fascismo e está hoje generalizada, em todos os ambientes de trabalho,
até nas empresas mais liberais. O novo fascismo, organizando estrategicamente
as pequenas inseguranças que alimentam medos (antes de mais, o medo de ser
despedido), apresenta-se como um pacto para a segurança, para a gestão de uma
paz angustiante, fazendo de todos nós – e muito particularmente todos os colegas
de trabalho – microfascistas. E há, depois, o novo fascismo cultural, a lógica
da uniformização. Não através da anulação das diferenças entre os indivíduos,
como o velho fascismo, mas produzindo uma homologação a partir da produção de
diferenças (tudo é diferente, exactamente
para que tudo seja igual). Este novo fascismo cultural tem como instrumento
principal o editorialismo, que é o contrário do pensamento crítico. Este
editorialismo generalizado está bem patente, no espaço público mediático, na
proliferação do comentário político e opinativo que corrompe e intoxica a
linguagem. Podemos então verificar que o novo fascismo tanto pode ser de
esquerda como de direita, tanto habita a página ímpar do jornal como a página
par, tanto se senta à direita como à esquerda do jornalista que apresenta o
telejornal.
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