quinta-feira, março 13, 2014

O meu amor foi p’ras colónias



o meu amor foi p’ras colónias
foi brincar de prostituta
com os brancos da Companhia do Sexo
e deixou-me nesta praia
vendo o mar com cio arrastando areias
para a sua alcova de silêncio
e a lua gorda despindo-se
entre nuvens e lamentos

o meu amor foi p’ras colónias
foi comprar um macaquinho
para o amar de verdade
quando o branco estiver bêbedo
entre garrafas deitado

o meu amor foi p’ras colónias
e virá velho cor da palha
a cheirar a sabonete
e as flores do seu cabelo
serão esqueletos de pó
sem perfume de jardins
trará as suas economias
p’ra abrir uma casa fina
de prostitutas novinhas
pagará imposto ao Estado
com muita regularidade
terá um quarto discreto
para a gente da alta roda
e quando vier a Polícia
prender a Lola que é ruiva
e bateu no general
ou ver se há contrabando
o meu amor abre o cofre
e desfaz a complicação

e quando vier o médico
na manhã fria de olheiras
com a malinha da inspecção
meu amor deitar-se-á
sobre penas de pavão
e jurará ao doutor
que todo o mundo está são

e quando eu logo me matar
sairei pelas traseiras
com a Santa Madalena
que veio p’ra me beijar

então
desceremos pudicamente
o rio ondeado de lírios
como dois namorados
semeando auroras
ai meu amor
semeando auroras
semeando auroras


- João César Monteiro
in Corpo Submerso, edição de autor

Sem comentários: