segunda-feira, março 24, 2014

A revolução das flores


Correspondendo a um apelo subterrâneo há vários dias que as dálias,
as cinerárias, os gerânios e as hortências se recusam a florirem e
os jasmineiros e as violetas a exalarem o seu aroma penetrante. De
entre as rosas foram as vermelhas as primeiras a aderir. Comités de
flores que se formaram espontaneamente em todos os jardins reivindicam
o direito de florir em qualquer estação do ano, medidas eficazes
contra as arbitrariedades das floristas, a extinção pura e simples
das estufas.

Uma nuvem de pó cobre a cidade. Em vão a polícia controla os portos
e as fronteiras. A exportação de bolbos e sementes foi suspensa
entretanto. Na Madeira o movimento foi desencadeado pelas estrelícias.
Tulipas que viajavam de avião e se destinavam a abastecer o
mercado londrino murcharam colectivamente. No Extremo Oriente,
crisântemos negros invadem as ruas de cidades como Tóquio e
Pequim. Apanhadas desprevenidas as borboletas, abelhas, vespas e
outros insectos ensaiam agora perigosos voos sobre os transeuntes.
Às dezasseis horas numa conferência de imprensa realizada no Jardim
de S. Lázaro, um grupo não identificado de flores, mas entre
as quais se podia reconhecer alguns amores-perfeitos, proclamou o
estado de felicidade permanente nos jardins.

- Jorge Sousa Braga
in O Poeta Nu, Assírio & Alvim

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